Ticagrelor previne a oclusão de enxertos de veia safena?

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Associar Ticagrelor ao AAS em pacientes submetidos a Cirurgia de Revascularização do Miocárdio previne a oclusão de enxertos de veia safena em 1 ano?

Essa foi a pergunta feita pelo grupo de pesquisadores do POPular CABG Trial, um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado por placebo e multicêntrico publicado na revista Circulation. O trial randomizou 499 pacientes na proporção de 1:1 para receber Ticagrelor 90 mg 2x/dia ou placebo em associação a AAS 80 a 100 mg/dia e avaliou a patência dos enxertos de veia safena com Angiotomografia de Coronárias após 1 ano da randomização. Na ausência de AngioTC, utilizou-se Angiografia coronária realizada por indicação clínica entre 35 e 53 semanas, quando disponível.

Os desfechos secundários do estudo foram falência do enxerto (definida pelo desfecho composto por oclusão, revascularização do enxerto, IAM no território correspondente ou morte súbita), estenose arterial ou obstrução venosa importante (≥70%) e qualquer oclusão (arterial ou venosa) em 1 ano.

Além disso, a análise de segurança incluiu episódios de sangramento qualificados como menores (tipo 2) e maiores (3 a 5) pelas classificações Bleeding Academic Research Consortium (BARC), Thrombolysis in Myocardial Infarction (TIMI) e Platelet Inhibition and Patient Outcomes (PLATO) com 30 dias e 1 ano após a randomização.

Qual o impacto da oclusão de enxerto venoso na prática clínica?

De acordo com a literatura, aproximadamente 15% dos enxertos de veia safena apresentam oclusão durante o primeiro ano após a Cirurgia de Revascularização do Miocárdio (CRM) a despeito do uso regular de AAS. Esse evento está associado a desfechos clínicos importantes como angina, infarto agudo do miocárdio e aumento da mortalidade a longo prazo.

Embora a fisiopatologia da oclusão de safena seja multifatorial, as plaquetas desempenham um importante papel. Diversos estudos associam inibidores de P2Y12 ao tratamento com AAS na tentativa de melhorar a permeabilidade das pontes de safena, entretanto os resultados são conflitantes.

No estudo DACAB (Efficacy of Different Antiplatelet Therapy Strategy After Coronary Artery Bypass Graft Trial) publicado no JAMA em 2018, 500 pacientes submetidos a CRM foram randomizados para AAS, Ticagrelor ou ambos. A associação das medicações foi benéfica para a patência do enxerto em 1 ano (88,7% versus 76,5% no grupo do AAS, p < 0,001), ao contrário do resultado encontrado no POPular CABG Trial,

Neste último, a taxa de oclusão de safenas no grupo Placebo (em monoterapia com AAS) foi de 9.1% em 1 ano, muito inferior à encontrada no DACAB (23.5%). É possível que essa discrepância entre resultados esteja relacionada à maior porcentagem de CRM sem circulação extracorpórea (75.8% vs. 95.2%) e maior prevalência de síndrome coronariana aguda (66.4% vs. 31.3%) no DACAB em comparação com o POPular CABG, sugerindo que a dupla antiagregação plaquetéria tenha um papel maior em pacientes submetidos a CRM sem CEC.

Resumo dos principais resultados do POPular CABG Trial

Geral:

  • N=496
  • Duração do follow-up: 1 ano
  • Idade média: 68 anos
  • Porcentagem de mulheres: 33%
  • Porcentagem de DM: 26%

Outras características:

  • Síndrome Coronariana Aguda (SCA): 31%
  • Fração de Ejeção de Ventrículo Esquerdo >50%: 78%
  • Uso de Circulação Extra-Corpórea: 95%
  • Número médio de enxertos venosos por paciente: 2.2

Desfecho primário:

  • 443 pacientes (89,3%) - ou 954 enxertos – analisados por imagem em 1 ano
  • 220 pacientes (484 enxertos) no grupo Ticagrelor e 223 pacientes (470 enxertos) no Placebo
  • Taxa de oclusão de enxerto venoso: 10,5% Ticagrelor vs. 9,1% Placebo (OR 1.29 [95% CI: 0.73– 2.30], P =0.38)
  • Análise por paciente: 14.1% vs. 12.1% (p = 0.54)

Desfechos secundários:

  • Sangramento BARC 3-5 em 30 dias: 2.4% vs. 1.6% (p = 0.51)
  • Sangramento BARC 3-5 em 1 ano: 3.6% vs. 2.4% (p = 0.42)
  • Morte por causa cardiovascular: 0.4% vs. 0.8%
  • SCA / IAM: 2.4% vs. 1.2%
  • Revascularização: 5.3% vs. 0.8% (p < 0.05)

Implicações clínicas: mensagens principais do POPular CABG TrialA adição de Ticagrelor ao tratamento tradicional com AAS após cirurgia de Revascularização do Miocárdio (CRM) não reduziu a taxa de oclusão de enxertos de veia safena no período de 1 ano, portanto estudo não apoia o uso rotineiro de Ticagrelor no pós-opertório de CRM. Essa conclusão difere de outros estudos com o mesmo objetivo.As taxas de sangramento foram maiores com Ticagrelor, mas sem significância estatística.Quase todos os pacientes foram submetidos a CRM com CEC, sugerindo que o Ticagrelor possa ter um efeito protetor mais evidente no pós-operatório de CRM sem CEC.Em pacientes com síndrome coronariana aguda, é provável que o Ticagrelor forneça benefícios antitrombóticos sem relação com a patência do enxerto. O estudo não refuta, portanto, a orientação presente em guidelines de manter dupla antiagregação plaquetária em pacientes submetidos a CRM por síndrome coronariana aguda.ReferênciasWillemsen LM, Janssen PWA, Hackeng CM, et al. A randomized, double-blind, placebo-controlled trial investigating the effect of ticagrelor on saphenous vein graft patency in patients undergoing coronary artery bypass grafting surgery-Rationale and design of the POPular CABG trial. Am Heart J. 2020;220:237-245. doi:10.1016/j.ahj.2019.12.001Willemsen LM, Janssen PWA, Peper J, et al. The Effect of Adding Ticagrelor to Standard Aspirin on Saphenous Vein Graft Patency in Patients Undergoing Coronary Artery Bypass Grafting (POPular CABG): A Randomized, Double-Blind, Placebo-Controlled Trial [published online ahead of print, 2020 Aug 31]. Circulation. 2020;10.1161/CIRCULATIONAHA.120.050749. doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.120.050749Editorial: Goldman S. Antiplatelet Agents Added to Aspirin: No Benefit for SVG Patency After CABG. Circulation 2020;Aug 31:[Epub ahead of print].