Existe algum benefício da TAVI na estenose aórtica moderada associada à disfunção ventricular?

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             Em publicação anterior, aqui no Blog Afya Cardiopapers, vimos que trabalhos recentes sugerem que alguns pacientes com estenose aórtica moderada apresentam um risco elevado de eventos cardiovasculares adversos e que alguns estudos observacionais sugeriram que a intervenção precoce poderia melhorar o prognóstico da estenose aórtica moderada associada a disfunção ventricular (fração de ejeção <50%). O que o TAVR UNLOAD acrescenta de evidência nesse cenário?

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              O TAVR UNLOAD (Transcatheter Aortic Valve Replacement in Patients With Systolic Heart Failure and Moderate Aortic Stenosis) foi um ensaio clínico randomizado projetado para avaliar se a intervenção com TAVI (Transcatheter Aortic Valve Implantation) em pacientes com estenose aórtica moderada e disfunção ventricular (FEVE <50%) teria benefício clínico quando comparada à estratégia padrão de vigilância clínica. O racional seria de que a TAVI pudesse reduzir a sobrecarga ventricular e, em conjunto com a terapia para ICFER, pudesse impactar na redução de mortalidade, hospitalizações e na melhoria de qualidade de vida dos pacientes.

              Foram incluídos 178 pacientes com fração de ejeção entre 20% e 50% sob terapia otimizada, presença de sintomas classe funcional NYHA II - IV com estenose aórtica moderada (área valvar entre 1,0 cm² e 1,5 cm²) e divididos aleatoriamente para TAVI ou vigilância clínica. O desfecho foi o composto hierárquico (método do win ratio) que incluía mortalidade por todas as causas, AVC incapacitante, hospitalizações por IC e mudança na qualidade de vida pelo questionário Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire (KCCQ-OSS). O acompanhamento médio foi de 23 meses.

             Os resultados do TAVI UNLOAD não confirmaram a superioridade da intervenção com TAVI sobre a estratégia convencional, divergindo de resultados de estudos observacionais anteriores. Os principais resultados incluem:

·         TAVR não obteve melhor resultado no composto primário (razão de vitória 1,31; IC 95%: 0,91-1,88; p=0,14), ou seja, não houve uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos.

·         Aos 12 meses, a qualidade de vida foi superior no grupo TAVI (+12,8 vs +3,2 pontos no KCCQ-OSS; p=0,018), indicando um benefício funcional.

·         43% dos pacientes do grupo vigilância precisaram de TAVI ao longo do estudo, com tempo médio de progressão para estenose grave de apenas 12 meses.

·         A TAVR foi segura, sem aumento de complicações graves, incluindo AVC ou mortalidade precoce.

Alguns dados importantes para entendermos os resultados:

·         O desenho foi aberto (open-label) favorecendo ao viés, já que pacientes submetidos a TAVI podem referir melhora por efeito placebo.

·         Foram incluídos apenas 178 pacientes ao longo de cerca de 5 anos. Com o número relativamente pequeno de pacientes, há possibilidade de erro tipo II e poder estatístico insuficiente para identificar um real benefício.

·         O tempo de seguimento foi relativamente curto (duração média de acompanhamento foi de 23 meses),  o que pode ser insuficiente para observar diferenças em mortalidade de longo prazo.

·         Altas taxas de crossover levantam o entendimento de que a comparação tenha sido  “TAVI precoce” vs “TAVR adiada” (e não, TAVI vs terapia vigilante).

              Por fim, quais as informações principais que ficam do TAVR UNLOAD? com os resultados, apesar de que a TAVI precoce tenha se mostrada segura e com potencial de alguma melhora na capacidade funcional, não foi capaz de mostrar superioridade na melhora de desfechos clínicos mais relevantes. Fica também a relevância de realizar o acompanhamento de perto de pacientes com estenose aórtica moderada, pois a progressão parece ocorrer de uma forma mais rápida. Aguardemos as novas evidências com os trials PROGRESS e EXPAND TAVR II.

 

Referência:

Van Mieghem, Nicolas M et al. “Transcatheter Aortic Valve Replacement in Patients With Systolic Heart Failure and Moderate Aortic Stenosis: TAVR UNLOAD.” Journal of the American College of Cardiology vol. 85,9 (2025): 878-890. doi:10.1016/j.jacc.2024.10.070