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Espironolactona e Amilorida na Hipertensão Arterial Resistente

Escrito por
Ivson Braga
Publicado em
22/5/2025

Define-se hipertensão resistente quando os níveis pressóricos permanecem elevados apesar do uso de pelo menos três anti-hipertensivos em doses otimizadas (incluindo um diurético). Essa situação está presente em cerca de 10% dos pacientes com hipertensão arterial e está associada com o aumento do risco cardiovascular. Em relação às evidências sobre o tratamento, o estudo PATHWAY-2 (2015) demonstrou que a espironolactona foi significativamente mais eficaz do que bisoprolol e a doxazosina como quarta medicação e, desde então, é considerada pelas diretrizes como medicação de escolha. Os efeitos adversos hormonais e hipercalemia podem limitar o uso da espironolactona em alguns pacientes.
A amilorida é um diurético poupador de potássio que age no bloqueio do canal de sódio epitelial e, por não estar associada aos efeitos antiandrogênicos da espironolactona, tem menor risco de hipercalemia e ginecomastia. Uma subanálise do PATHWAY-2 mostrou que a amilorida apresentou eficácia semelhante, mas pelo fato dos dados terem sido obtidos do seguimento aberto não randomizado, permanece a dúvida sobre se a amilorida pode ser uma alternativa eficaz em relação à espironolactona. O estudo Spironolactone vs Amiloride for Resistant Hypertension: A Randomized Clinical Trial foi desenhado com o objetivo de responder esse questionamento.
Nesse ensaio clínico prospectivo, randomizado, aberto quanto à intervenção e com avaliação de desfechos cegada (PROBE design), foram incluídos pacientes com idade entre 19 e 75 anos com hipertensão resistente confirmada (PAS ≥130 mmHg domiciliar) após 4 semanas de uso de uma combinação tripla fixa (olmesartana, anlodipino, hidroclorotiazida), exclusão de causas secundárias e taxa de filtração glomerular (TFGe ≥50 mL/min/1,73 m²). Ao todo, 118 participantes foram randomizados.
A pressão arterial domiciliar foi medida pelos próprios participantes utilizando aparelhos digitais validados da marca Omron. Os participantes foram orientados a realizar duas aferições consecutivas da pressão arterial com intervalo de 1 a 4 minutos, duas vezes ao dia (pela manhã, antes da medicação e a noite antes de dormir) durante sete dias consecutivos, antes de cada visita de acompanhamento. Para análise, foi utilizada a média das medições dos últimos sete dias com o mínimo de oito medições válidas.
A pressão arterial de consultório foi aferida por equipe treinada em ambiente controlado, utilizando os mesmos modelos validados da marca Omron. Após cinco minutos de repouso, três medições foram feitas com intervalo de um minuto entre elas e foi considerada a média das duas últimas como valor de referência.
Os pacientes foram divididos em 2 grupos:
• Espironolactona: 12,5 mg/dia, com possibilidade de aumento para 25 mg/dia após 4 semanas, conforme resposta pressórica e potássio sérico.
• Amilorida: 5 mg/dia, com possibilidade de aumento para 10 mg/dia nas mesmas condições.
Como desfecho primário foi avaliado a diferença na redução da PAS domiciliar média entre os grupos após 12 semanas; Entre os desfechos secundários estão a proporção de pacientes que atingiram PAS <130 mmHg (domiciliar e consultório), mudanças na pressão diastólica e presença de eventos adversos.
Ao final de 12 semanas de tratamento, tanto a espironolactona quanto a amilorida demonstraram reduções significativas da pressão arterial sistólica (PAS) domiciliar. No grupo que recebeu amilorida, a PAS domiciliar média foi reduzida em 13,6 mmHg (desvio padrão - DP 8,6), enquanto no grupo da espironolactona, a redução foi de 14,7 mmHg (DP 11,0). A diferença entre os grupos foi de −0,68 mmHg (intervalo de confiança [IC] 90%: −3,50 a 2,14 mmHg). Como o limite inferior do intervalo de confiança (−3,50 mmHg) ficou acima da margem de −4,4 mmHg, o estudo mostrou que a amilorida não foi inferior à espironolactona em relação à eficácia. Além disso, as taxas de controle pressórico também foram semelhantes entre os grupos. A proporção de pacientes que atingiram PAS <130 mmHg nas medições domiciliares foi de 66,1% no grupo amilorida e 55,2% no grupo espironolactona (sem diferença estatisticamente significativa). De forma semelhante, a PAS de consultório <130 mmHg foi alcançada por 57,1% dos pacientes tratados com amilorida e 60,3% com espironolactona. Quanto à necessidade de ajuste de dose, após 4 semanas, 48,3% dos pacientes no grupo da espironolactona e 30,9% no grupo da amilorida tiveram suas doses aumentadas, conforme critério clínico (PAS ≥130 mmHg e potássio <5,0 mmol/L).
Em relação à segurança, ambos os fármacos foram bem tolerados. Não houve casos de ginecomastia em nenhum dos grupos. Um único caso de hipercalemia (potássio ≥ 5,5 mmol/L) levou à suspensão da amilorida, enquanto nenhum paciente no grupo da espironolactona apresentou hipercalemia grave. A adesão foi medida pela contagem de comprimidos e foi semelhante entre os grupos.
Entre as principais limitações estão:
• As doses de espironolactona foram menores em relação a utilizada nos estudos anteriores, o que limita a comparação entre os resultados dos trabalhos (12,5 mg ou 25mg vs 50mg).
• A exclusão de pacientes com disfunção renal (TFGe <50 mL/min/1,73 m²) limita a aplicabilidade nessa população.
• O estudo não utilizou diuréticos considerados mais potentes (clortalidona ou indapamida) e, dessa forma, a magnitude da resposta pressórica pode ter sido inferior.
• A amostra foi composta exclusivamente por pacientes coreanos, limitando a generalização dos resultados para outras etnias.
A principal conclusão do estudo é que a amilorida foi não inferior à espironolactona na redução da pressão arterial sistólica domiciliar em pacientes com hipertensão resistente em uso de uma combinação tripla fixa (bloqueador do sistema renina-angiotensina, bloqueador de canal de cálcio e diurético tiazídico). Este é o primeiro ensaio clínico randomizado a comparar head-to-head essas duas medicações nesse contexto. Embora o estudo não tenha mostrado aumento de efeitos colaterais com a espironolactona, sabe-se que a amilorida não afeta o eixo hormonal androgênico-estrogênico e, consequentemente, não apresenta efeitos antiandrogênicos. Na prática clínica, devemos lembrar da amilorida para hipertensão resistente, principalmente naqueles pacientes que não toleram a espironolactona. Por fim, é importante lembrar que no Brasil encontramos a amilorida apenas na associação com hidroclorotiazida.
Referência:
Lee CJ, Ihm SH, Shin DH, Jeong JO, Kim JH, Chun KH, Ryu J, Lee HY, Choi S, Lee EM, Choi JH, Kim KI, Shin J, Pyun WB, Kim DH, Park S, Williams B. Spironolactone vs Amiloride for Resistant Hypertension: A Randomized Clinical Trial. JAMA. 2025 May 14:e255129. doi: 10.1001/jama.2025.5129.