Fenotipagem prognóstica na Estenose Aórtica Moderada utilizando Machine Learning

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             A estenose aórtica (EA) é uma das doenças valvares mais comuns, especialmente em idosos, afetando cerca de 12% das pessoas acima de 75 anos. Tradicionalmente, é classificada como leve, moderada ou severa com base em parâmetros ecocardiográficos, e a conduta clínica geralmente é orientada pela gravidade da estenose. Pesquisas recentes indicam que a estenose aórtica moderada está ligada a um risco elevado de eventos cardiovasculares adversos e sugerem que certos subgrupos de pacientes possam se beneficiar de uma estratégia terapêutica mais intensiva.

             O estudo de Sen et alpublicado no JACC Cardiovascular Imaging esse mês (Definition and Validation of Prognostic Phenotypes in Moderate Aortic Stenosis) , propõe uma nova abordagem para a EA moderada, baseada na fenotipagem prognóstica desses pacientes. A grande questão que o estudo busca responder é: quais fatores, além dos parâmetros ecocardiográficos tradicionais, determinam o risco cardiovascular dos pacientes com EA moderada? E, quais desses pacientes realmente se beneficiam da troca valvar?

              Foi utilizado algoritmos de aprendizado de máquina (Machine Learning) para identificar e validar fenótipos prognósticos em uma coorte retrospectiva de 2.469 pacientes com EA moderada identificados no banco de dados de ecocardiografia do Metro South Health (Brisbane, Austrália) entre 2009 e 2023; uma segunda coorte com 1.358 pacientes do banco de dados da Western Health (Melbourne, Austrália) foi utilizada para fins de validação externa. 54 variáveis ​​preditoras foram obtidas a partir dos dados demográficos, características clínicas, parâmetros ecocardiográficos e histórico de intervenções. O desfecho primário foi um composto de morte cardíaca, hospitalização por insuficiência cardíaca ou intervenção valvar aórtica em 5 anos.

Principais resultados

            Foram identificados quatro Clusters (fenótipos) de EA moderada:

  • Cluster 1 (baixo risco): predominantemente mulheres com fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada e com poucos fatores de risco cardiovasculares.
  • Cluster 2 (valva calcificada): homens com sobrepeso e calcificação valvar significativa, mas com menor número de comorbidades.
  • Cluster 3 (baixo Fluxo): pacientes mais idosos, com menor gradiente transvalvar e índice de volume sistólico reduzido, além de uma maior proporção de valvopatias concomitantes.
  • Cluster 4 (comorbidades cardiovasculares): pacientes com doença arterial coronariana, hipertensão, dislipidemia, diabetes com complicações e maior risco cardiovascular.

Os principais achados do estudo foram:

  • O fenótipo com comorbidades cardiovasculares apresentou pior prognóstico, com risco duplicado de morte cardíaca e hospitalização por insuficiência cardíaca em cinco anos. (HR de validação: 2,00, IC de 95%: 1,54-2,59; P < 0,001). O fenótipo de baixo fluxo apresentou o segundo maior risco de desfechos compostos (HR: 1,50, IC 95%: 1,15-1,96]; P = 0,003).
  • A troca valvar aórtica teve impacto positivo apenas no grupo com válvula calcificada, reduzindo significativamente a mortalidade nesse subgrupo (HR de validação: 0,21 [IC de 95%: 0,08-0,57]; P = 0,002). Nos outros grupos, a troca valvar não modificou os desfechos clínicos, sugerindo que a intervenção precoce pode ser desnecessária nesses casos.
  • Na validação, o modelo apresentou alta precisão para os fenótipos de baixo risco, baixo fluxo e comorbidades cardiovasculares (áreas sob a curva ROC ≥ 0,96, ≥ 0,92 e ≥ 0,92, respectivamente). O fenótipo de válvula calcificada mostrou desempenho preditivo mais modesto (área sob a curva ROC = 0,7).

              O estudo de Sen et al. possui limitações, como a baixa taxa de troca valvar aórtica, dificultando a avaliação do impacto do procedimento nos diferentes fenótipos. A definição de calcificação foi baseada em laudos ecocardiográficos sem métodos quantitativos. Apesar disso, o estudo oferece uma peça a mais no conhecimento da estratificação de risco da EA moderada e pode influenciar futuras estratégias terapêuticas. 

              A avaliação da estenose aórtica moderada ainda apresenta lacunas diagnósticas e prognósticas. Avanços em imagem multimodal, biomarcadores e uso de inteligência artificial poderão trazer novas evidências, permitindo uma estratificação de risco mais precisa, além de auxiliar na decisão do momento ideal para intervenção.

 

Referência:

Sen, Jonathan et al. “Definition and Validation of Prognostic Phenotypes in Moderate Aortic Stenosis.” JACC. Cardiovascular imaging vol. 18,2 (2025): 133-149. doi:10.1016/j.jcmg.2024.06.013.