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Posso usar novos anticoagulantes em hepatopatas?
Escrito por
Humberto Graner
Publicado em
3/7/2019
Pacientes com doença hepática avançada tem alto risco tanto para sangramento quanto para eventos tromboembólicos. Por estas razões, sempre que esses necessitam de anticoagulação crônica, encontrar o equilíbrio eficácia versus segurança/sangramento é ainda mais desafiador.
Especificamente nos pacientes com fibrilação atrial, aqueles com hepatopatia classificada como Child-Pugh B ou C foram excluídos dos ensaios clínicos com DOAC na prevenção de AVC.
Por isso, as bulas dessas medicações trazem informações de alerta para o uso em hepatopatas baseados predominantemente pelos estudos de farmacocinética e farmacodinâmica (Tabela).
Um estudo publicado no JACC essa semana reportou dados do uso de anticoagulantes em uma grande população com FA e doença hepática. Hepatopatas foram identificados com base em internações ou visitas ambulatoriais com diagnóstico pelo CID-10 (B15 a 19, e K70 a 77). A doença hepática ativa foi definida como um nível de transaminases (TGO e/ou TGP) > 2 vezes o limite superior da normalidade. Entre 12.778 tratados com varfarina e 24.575 pacientes tratados com DOAC com FA, o uso de DOAC foi associado a:
- 45% de redução no risco de acidente vascular cerebral isquêmico
- 18% de redução no risco de hemorragia gastrointestinal
- 35% de redução no risco de sangramento maior
- 39% de redução no risco de morte por todas as causas
Entre os 4.942 pacientes com doença hepática ativa, o uso de DOAC foi associado com um risco menor do desfecho composto (HR 0,69; IC95% 0,58-0,83).
Como estudo retrospectivo, baseado em um grande banco de dados, esses achados tem suas limitações. Além disso, a definição de "doença hepática ativa" pelas transaminases não fornece informações funcionais sobre o grau de comprometimento hepático. Além disso, 52,5% dos pacientes receberam uma dose reduzida de anticoagulante, quando na verdade, não há recomendação de ajuste de doses de DOAC nessa população.
De toda a forma, duas lições podem ser tiradas:
- Pacientes com FA e algum grau de doença hepática não devem ser privados da anticoagulação, quando indicada, e o benefício dos DOAC nessa população é significativamente maior do que com a varfarina.
- Individualizar! Mais uma vez, esse mantra da medicina se faz necessário. Existem “hepatopatas” e “hepatopatas”, e monitorar outros parâmetros com relação à função hepática e complicações podem ser necessários para balancear risco x benefício, e guiar a decisão terapêutica.
Uma publicação do JACC em 2018 já sugeria uma abordagem sistematizada nesse sentido:
*Avaliar função hepática e renal, hemograma completo, TAP (RNI), TTPA, e screening para varizes em caso de cirrose. **Iniciar IBP, erradicar H. pylori quando presente, cessar consumo de bebida alcoólica, evitar antinflamatórios não-estereoidal e antiplaquetários. † Sangramento recente, coagulopatia ativa, trombocitemia importante, varizes de alto-risco não passíveis de intervenção. § Exceto rivaroxabana (Qamar et al. JACC. 2018;71(19)2162-75)
REFERÊNCIAS:
Lee S.-R., Lee H.-J., Choi E.-K., et al. Direct oral anticoagulants in patients with atrial fibrillation and liver disease. J Am Coll Cardiol 2019;73:3295–3308
Qamar A, Vaduganathan M, Greenberger NJ, Giugliano RP. Oral anticoagulation in patients with liver disease. J Am Coll Cardiol 2018;71:2162-2175