Posso usar novos anticoagulantes em hepatopatas?

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Posso usar novos anticoagulantes em hepatopatas?

Pacientes com doença hepática avançada tem alto risco tanto para sangramento quanto para eventos tromboembólicos. Por estas razões, sempre que esses necessitam de anticoagulação crônica, encontrar o equilíbrio eficácia versus segurança/sangramento é ainda mais desafiador.

Especificamente nos pacientes com fibrilação atrial, aqueles com hepatopatia classificada como Child-Pugh B ou C foram excluídos dos ensaios clínicos com DOAC na prevenção de AVC.

Por isso, as bulas dessas medicações trazem informações de alerta para o uso em hepatopatas baseados predominantemente pelos estudos de farmacocinética e farmacodinâmica (Tabela).

Um estudo publicado no JACC essa semana reportou dados do uso de anticoagulantes em uma grande população com FA e doença hepática. Hepatopatas foram identificados com base em internações ou visitas ambulatoriais com diagnóstico pelo CID-10 (B15 a 19, e K70 a 77). A doença hepática ativa foi definida como um nível de transaminases (TGO e/ou TGP) > 2 vezes o limite superior da normalidade. Entre 12.778 tratados com varfarina e 24.575 pacientes tratados com DOAC com FA, o uso de DOAC foi associado a:

  • 45% de redução no risco de acidente vascular cerebral isquêmico
  • 18% de redução no risco de hemorragia gastrointestinal
  • 35% de redução no risco de sangramento maior
  • 39% de redução no risco de morte por todas as causas

Entre os 4.942 pacientes com doença hepática ativa, o uso de DOAC foi associado com um risco menor do desfecho composto (HR 0,69; IC95% 0,58-0,83).

Como estudo retrospectivo, baseado em um grande banco de dados, esses achados tem suas limitações. Além disso, a definição de "doença hepática ativa" pelas transaminases não fornece informações funcionais sobre o grau de comprometimento hepático. Além disso, 52,5% dos pacientes receberam uma dose reduzida de anticoagulante, quando na verdade, não há recomendação de ajuste de doses de DOAC nessa população.

De toda a forma, duas lições podem ser tiradas:

  1. Pacientes com FA e algum grau de doença hepática não devem ser privados da anticoagulação, quando indicada, e o benefício dos DOAC nessa população é significativamente maior do que com a varfarina.
  2. Individualizar! Mais uma vez, esse mantra da medicina se faz necessário. Existem “hepatopatas” e “hepatopatas”, e monitorar outros parâmetros com relação à função hepática e complicações podem ser necessários para balancear risco x benefício, e guiar a decisão terapêutica.

Uma publicação do JACC em 2018 já sugeria uma abordagem sistematizada nesse sentido:

*Avaliar função hepática e renal, hemograma completo, TAP (RNI), TTPA, e screening para varizes em caso de cirrose. **Iniciar IBP, erradicar H. pylori quando presente, cessar consumo de bebida alcoólica, evitar antinflamatórios não-estereoidal e antiplaquetários. Sangramento recente, coagulopatia ativa, trombocitemia importante, varizes de alto-risco não passíveis de intervenção. § Exceto rivaroxabana (Qamar et al. JACC. 2018;71(19)2162-75)

REFERÊNCIAS:

Lee S.-R., Lee H.-J., Choi E.-K., et al. Direct oral anticoagulants in patients with atrial fibrillation and liver disease. J Am Coll Cardiol 2019;73:3295–3308

Qamar A, Vaduganathan M, Greenberger NJ, Giugliano RP. Oral anticoagulation in patients with liver disease. J Am Coll Cardiol 2018;71:2162-2175