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Paciente com IAM com supra de ST: tratar todas as lesões ou só a artéria culpada?
Escrito por
Fabio Pinton
Publicado em
9/12/2019
Paciente de 62 anos deu entrada na sala de emergência com dor torácica típica há 2h. Hemodinamicamente estável. ECG mostrando supra de ST de parede anterior. Encaminhado para angioplastia primária que evidenciou artéria descendente anterior ocluída, lesão de 80% no terço proximal da artéria circunflexa e lesão de 70% no terço médio da artéria coronária direita. Submetido a angioplastia primária da artéria culpada (descendente anterior) com stent farmacológico com sucesso, sendo encaminhado para unidade coronariana estável e sem dor. O que fazer com as lesões residuais em Cx e CD? Tratar clinicamente já que são lesões estáveis, “achado de exame”? Ou indicar angioplastia? E se indicado angioplastia, quando realizar? Na mesma internação ou posso dar alta e tratar depois?
O caso acima retrata um cenário relativamente comum: a presença de lesões angiograficamente importantes em outras artérias não relacionadas a artéria culpada pelo infarto em pacientes com IAM com supra de ST.
Estudos prévios (já discutidos aqui, aqui, aqui e aqui) comparando tratar apenas a artéria culpada versus angioplastia também das outras lesões demonstraram redução de eventos cardiovasculares combinados, basicamente às custas de revascularização futura com a estratégia de revascularização completa. E algumas metanálises sugerem redução de morte e IAM com esta estratégia.
Para responder a essa pergunta, foi realizado um estudo multicêntrico (COMPLETE trial), que randomizou 4.000 pacientes que realizaram angioplastia primária com sucesso e que tinham pelo menos 1 lesão maior que 70% em outra artéria (estimativa visual) ou entre 50-70% com FFR < 0,80 para revascularização completa por angioplastia (a despeito de sintomas ou isquemia) versus tratamento clínico das outras lesões (mesmo se tivesse isquemia). A angioplastia poderia ser realizada na mesma internação ou em até 45 dias após.
Dentre os pacientes randomizados para revascularização completa, 70% realizou o procedimento na mesma internação, com mediana de 1 dia e o restante após a alta hospitalar, com mediana de 23 dias após. A coronária direita foi a artéria culpada pelo IAM em 50% dos casos e 75% dos pacientes tinham mais de uma lesão residual, sendo 25% delas com estenose entre 90-100%.
Após o seguimento médio de 3 anos, o desfecho primário composto por morte cardiovascular e IAM ocorreu em 7,8% no grupo revascularização completa e em 10,5% no grupo angioplastia apenas da artéria culpada (IC 0,60 – 0,91; p = 0,004), às custas de redução de IAM, sem diferença em termos de mortalidade. Os desfechos de segurança (sangramento e nefropatia induzida pelo contraste) foram semelhantes entre os grupos. A redução dos desfecho primário ocorreu independentemente se a revascularização completa ocorreu durante a internação ou após a alta hospitalar e o benefício demonstrado ocorre principalmente a longo prazo (após os primeiros 45 dias).
Importante ressaltar que o estudo não testou a hipótese de tratar as outras lesões residuais durante o procedimento de tratamento da lesão culpada ou contra um grupo onde seria feito prova funcional ou FFR das lesões não culpadas e tratar apenas as lesões isquêmicas, o que habitualmente é feito na prática clínica.
Em resumo, em pacientes com IAM com supra de ST que apresentam lesões residuais, a revascularização percutânea completa de lesões realizada na mesma internação ou logo após a alta hospitalar reduz o risco de morte cardiovascular e infarto quando comparado ao tratamento apenas da lesão culpada.
Voltando ao caso clínico, foram explicados os riscos e benefícios com o paciente e optado por realizar a angioplastia das lesões residuais 2 dias após a angioplastia primária, a qual ocorreu sem intercorrências.