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Ovo e doença cardiovascular: devemos voltar a evitá-lo?
Escrito por
Juliana Gropp
Publicado em
8/7/2022
A associação entre consumo de alimentos ricos em colesterol, como ovo, e mortalidade por doença cardiovascular (DCV) vem sendo debatida há décadas, porém permanece biologicamente plausível. Embora exista apenas uma relação fraca entre o colesterol dietético e o colesterol sérico, estudos experimentais forneceram evidência de que o colesterol dietético pode estar relacionado a inflamação pós-prandial, estresse oxidativo e alteração da função endotelial. Estudos in vivo mostraram que o consumo excessivo de colesterol pode levar a aumento de um biomarcador de inflamação sistêmica crônica, a Amiloide A. Este biomarcador está relacionado a maior risco de DCV, provavelmente por ligar-se e inibir a bioatividade das partículas HDL, promover quimiotaxia e adesão de monócitos, além de favorecer a produção de citocinas pró-inflamatórias. Todas essas ações facilitam a progressão da aterosclerose.O consumo excessivo de colesterol também pode aumentar o acúmulo de macrófagos no tecido adiposo, e, consequentemente a inflamação. A redução na ingestão de colesterol leva a menor resposta inflamatória e infiltração de monócitos na placa de artéria coronária com subsequente estabilização desta.Até o ano de 2015, as diretrizes nutricionais americanas recomendavam o consumo máximo de 300 mg de colesterol por dia (um ovo contém em média 186 mg de colesterol). Mais recentemente, a sociedade americana de nutrição passou a recomendar que o consumo de alimentos ricos em colesterol deveria ser reduzido, porém sem determinar uma quantidade máxima diária. A justificativa era que seriam necessários mais estudos que comprovassem a necessidade desta restrição, visto que os resultados de estudos epidemiológicos eram conflitantes. (confira as recomendações da diretriz européia de dislipidemia: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/guidelineseuropeudislipidemia/)_Um estudo interessante foi publicado recentemente no periódico Circulation e fez uma avaliação mais ampla sobre o consumo de colesterol e de ovos. O estudo se dividiu em dois objetivos: o primeiro foi fazer a associação entre ingestão de colesterol, colesterol sérico e consumo de ovo e risco de mortalidade geral e causa-específica, utilizando dados do estudo ATBC (Alpha-Tocopherol, Beta-Carotene Cancer Prevention). Em seguida, com base nesses resultados, foi realizada uma meta-análise atualizada da associação entre consumo de ovo e risco de doença cardiovascular (DCV) e mortalidade cardiovascular (CV).O ATBC foi um estudo prospectivo de prevenção primária que acompanhou 27.078 homens tabagistas, entre 50 e 69 anos, de 1985 a 1988, na Finlândia. Os participantes foram acompanhados por 31 anos. O consumo dietético foi avaliado através de Questionários de Frequência Alimentar (QFA) e as principais fontes de colesterol dietético consideradas foram: manteiga, leite, linguiça, peixe, queijos, carnes bovina e suína.O consumo médio entre os participantes foi de 538 mg de colesterol e 44,6g de ovos por dia (*1 ovo possui cerca de 50g). O colesterol total sérico era em média 240 mg/dL. Os resultados mostraram que o consumo adicional de 300 mg de colesterol por dia, apresentou associação significativa com aumento na mortalidade geral, DCV, câncer e doenças do coração (risco de 8 a 10% mais alto). E a adição de um ovo ao dia foi significativamente associada a aumento na mortalidade em geral (6%) e por doenças do coração (9%).A meta-análise posteriormente realizada, avaliou um total de 3.601.401 indivíduos e 255.479 eventos, provenientes de 41 estudos. Na avaliação de risco combinado, foi verificado que cada ovo adicional por dia estava associado com aumento significativo de DCV (risco relativo, 1.04 [95% CI, 1.00–1.08]). Entretanto, os autores mencionam evidência de heterogeneidade entre os estudos (I2=80.1%) e houve diferença nos resultados de acordo com a região geográfica. O risco para DCV foi maior nas coortes dos EUA (RR, 1.08 [95% CI, 1.02–1.14]), pouco significativo na Europa (RR, 1.05 [95% CI, 0.98–1.14]), e negativo na Ásia (RR, 0.96 [95% CI, 0.87–1.06]).Desta forma, os autores concluíram que o consumo elevado de colesterol dietético e ovo estão associados com maior risco de mortalidade geral e por DCV. Sugerem também que seja orientada restrição de colesterol alimentar como forma de melhorar saúde e longevidade.Na mesma revista, no entanto, foi publicado um editorial sobre este estudo que chama a atenção para uma outra forma de analisar os dados do estudo ATBC. Em relação à dieta, quando uma pessoa consome menos de um alimento, ela está inevitavelmente consumindo mais de outro. O equivalente ao grupo controle em um estudo de intervenção. Sendo assim, seria interessante que o estudo perguntasse também: ovo ao invés do quê?Por isso, os autores do editorial fizeram uma segunda análise dos dados comparando o consumo de ovos, colesterol dietético e alimentos com ou sem colesterol, e que não fossem ovos.Através desta análise, pode-se concluir que os homens que consumiam ovo, ao invés de outros alimentos fonte de colesterol (manteiga, leite, linguiça, peixe, carne de porco, queijo, carne de vaca), tiveram menor risco de mortalidade no geral.Isso talvez justifique as diferenças geográficas encontradas na meta-análise. De acordo com os hábitos alimentares de cada região, o ovo provavelmente foi substituído por alimentos diferentes em cada uma delas. E conforme o tipo de alimento consumido, aumentou ou diminuiu o risco de DCV.Com todas essas considerações, percebe-se que o consumo de ovo e colesterol dietético, apesar de seu efeito modesto, pode aumentar o risco de DCV e mortalidade. Contudo, é importante lembrar que os pacientes precisam receber orientações nutricionais adequadas para manter uma alimentação balanceada. Se for orientado reduzir o consumo de ovo e o sujeito substituir por queijo, por exemplo, ele provavelmente vai aumentar o seu risco de DCV.Referências:
- Zhao B, Gan L, Graubard BI, Männistö S, Albanes D, Huang J. Associations of Dietary Cholesterol, Serum Cholesterol, and Egg Consumption With Overall and Cause-Specific Mortality: Systematic Review and Updated Meta-Analysis. Circulation. 2022 May 17; 145(20): 1506-1520. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.121.057642. Epub 2022 Apr 1. PMID: 35360933; PMCID: PMC9134263. (https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIRCULATIONAHA.121.057642?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed)
- Tobias DK. What Eggsactly Are We Asking Here? Unscrambling the Epidemiology of Eggs, Cholesterol, and Mortality. Circulation. 2022 May 17;145(20):1521-1523. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.122.059393. Epub 2022 May 16. PMID: 35576317. (https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIRCULATIONAHA.122.059393?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed)