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ICFER e coronariopatia: há indicação de se fazer angioplastia?
Escrito por
Cristiano Guedes
Publicado em
30/6/2021
A insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER) é uma doença prevalente e, apesar dos avanços na terapia medicamentosa, está associada a mortalidade e morbidade significativas. A presença de doença coronária aterosclerótica (DAC) aumenta a mortalidade cardiovascular cerca de 2 vezes em comparação ao paciente com ICFER sem lesões obstrutivas coronárias. A revascularização cirúrgica demonstrou melhorar os resultados de longo prazo em alguns pacientes (Estudos STICH e STICHES), mas a cirurgia em si acarreta um grande risco inicial. A intervenção coronária percutânea (ICP) pode permitir um melhor equilíbrio entre risco e benefício, porém, a literatura carece de estudos randomizados sobre o benefício do tratamento percutâneo. Há indicação de se fazer angioplastia na ICFER?
Além disso, a ICP no contexto do paciente com ICFER e DAC estável não é isenta de risco, pelo contrário, está associada a maior mortalidade intra-hospitalar e no longo prazo. No mundo real, frequentemente a ICP não é indicada para esses pacientes. Em estudo do banco de dados da Duke University Medical Center que incluiu 901 pacientes com ICFER e DAC submetidos a coronariografia entre 1995 e 2012, apenas cerca de 30% foram submetidos a angioplastia e 70% permaneceram em tratamento medicamentoso isolado.
Os dispositivos de suporte circulatório permitiram que os cardiologistas intervencionistas realizassem ICP em cenários desafiadores, chamados de alto risco, como o de vaso derradeiro, tronco desprotegido, fração de ejeção muito baixa < 35%, multiarteriais e choque cardiogênico. Até meados dos anos 2000, o balão intra-aórtico (BIA) era o único dispositivo de suporte disponível para ICP de alto risco em pacientes com ICFER. No único estudo randomizado que investigou o uso do BIA em pacientes com ICP multiarterial e FE <35%, o dispositivo não resultou em melhores desfechos imediatos, mas melhorou a sobrevida em longo prazo (OR 0,66; IC 95%: 0,44 a 0,98; p = 0,039). Mais recentemente, o dispositivo Impella foi considerado superior ao BIA entre pacientes submetidos a ICP de alto risco nos desfechos de 90 dias usando um endpoint composto incluindo complicações periprocedimento (Impella 40% vs. BIA 51%; p = 0,02), conforme dados do estudo PROTECT II.
Sobre o impacto da angioplastia no prognóstico de pacientes com ICFER, não há estudos randomizados endereçando o tema e essa população é frequentemente subrepresentada nos estudos clínicos sobre DAC comparando ICP vs Cirurgia ou ICP vs Medicamentos. Estudos observacionais demonstram que após revascularização de pacientes com ICFER e DAC, mais de 50% dos pacientes apresentam melhora da fração de ejeção. Dados combinados dos estudos PROTECT II e registro cVAD demonstraram que 57% dos pacientes melhoram a fração de ejeção em pelo menos 5% após ICP sob assistência circulatória (em média, houve uma melhora de 25% para 31% após ICP, p<0,001). Em um subestudo do PROTECT II, o remodelamento reverso (melhora da fração de ejeção) ocorreu mais frequentemente em pacientes com extensa revascularização, ou seja, maior número de vasos tratados (OR 7,52; IC 95% 1,31 a 43,25). O remodelamento reverso foi significativamente associado a menor taxa de eventos cardíacos adversos maiores (9,7% vs 24,2%; p=0,009) e melhora na classe funcional (IC CF III/IV caiu de 66,7% para 24% nos pacientes que apresentaram remodelamento reverso).
Enfim, no momento não temos dados randomizados a favor ou contra a angioplastia em pacientes com ICFER e DAC crônica. Trata-se de uma população complexa, com prognóstico desfavorável e que mais frequentemente fica em tratamento clínico medicamentoso. O estudo REVIVED-BCIS2 irá fornecer os primeiros dados randomizados sobre a segurança e eficácia da ICP em pacientes com ICFER. Com inclusão de 700 pacientes com fração de ejeção ≤ 35%, doença coronária extensa com viabilidade miocárdica em pelo menos 4 segmentos e passíveis de revascularização percutânea, esperamos a conclusão e análise do desfecho primário de mortalidade cardiovascular e internação por IC em seguimento mínimo de 24 meses, para ajudar na difícil tomada de decisão nesse contexto.
É preciso ressaltar que o fato de haver incerteza sobre benefício ou malefício não implica em contraindicar o procedimento de revascularização, seja ele cirúrgico ou percutâneo, mas ressalta a importância da decisão colegiada em Heart Team e compartilhada com o paciente sobre expectativas quanto ao tratamento e lacunas na literatura médica em relação a ICP nesse cenário. Cabe a individualização da conduta para cada paciente específico, levando em consideração a idade, comorbidades, estágio da ICFER, sintomas anginosos, viabilidade miocárdica, risco cirúrgico, complexidade da ICP, experiência dos intervencionistas e do centro com dispositivos de suporte circulatório.
Referências:
2 - Perera D, et al. REVIVED investigators. Percutaneous Revascularization for Ischemic Ventricular Dysfunction: Rationale and Design of the REVIVED-BCIS2 Trial: Percutaneous Coronary Intervention for Ischemic Cardiomyopathy. JACC Heart Fail. 2018 Jun;6(6):517-526