Finalmente, estatina reduz o volume da placa aterosclerótica?

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Finalmente, estatina reduz o volume da placa aterosclerótica?

O benefício clínico de reduzir o colesterol LDL com estatinas diminuindo, assim, o risco de eventos cardiovasculares (morte e infarto) já é bem conhecido por todos. Vários estudos já demonstraram in vivo, utilizando o ultrassom intracoronário, ou post mortem, através de estudos com animais em laboratório, que o uso de estatina interrompe ou pelo menos diminui a velocidade de progressão da aterosclerose. No entanto, o conceito de reduzir a placa, ou seja, fazer a aterosclerose regredir, continua sendo discutível. Dois importantes estudos (SATURN e ASTEROID) demonstraram este conceito, ganharam notoriedade, mas não definiram a questão por serem pequenos e com limitações na metodologia.

Antes de entrar exatamente no ponto principal deste post, vale a pena relembrar alguns conceitos importantes sobre o assunto que foram trazidos pelo estudo PROSPECT (NEJM, 2011). Nesse trabalho, aproximadamente 700 pacientes submetidos à angioplastia de uma lesão culpada por uma síndrome coronariana aguda tiveram todos os seus vasos coronários estudados com ultrassom intracoronário (IVUS). O objetivo foi estudar as características anatômicas das placas (culpadas e não culpadas pelo evento) e segui-lás ao longo do tempo. Ao final de um seguimento médio de 3,5 anos, ocorreram novos eventos relacionados tanto às lesões culpadas (12,9%) quanto às lesões não culpadas (11,6%) pelo evento index. Mas aí vem o mais interessante. Na análise multivariada, os preditores pelo IVUS inicial para que uma placa não culpada evoluísse para um evento com o passar do tempo foram: área luminal pequena (< 4,0 mm2), carga de placa elevada (> 70%) e presença de placa com capa fibrótica fina (conceito de fibroateroma de capa fina). Dito isso, passamos para a análise do nosso ponto de maior interesse.

No mês passado foi publicado no JACC o STABLE trial, estudo coreano, unicêntrico, que randomizou 312 pacientes. Neste trabalho, os pacientes foram submetidos a CATE ou angioplastia eletivamente pelas indicações habituais. Aqueles que apresentavam lesões não relacionadas ao tratamento percutâneo, discretas ou moderadas, e que foram deixadas em tratamento clínico foram estudados com IVUS e tomografia de coerência óptica (OCT). Após o IVUS demonstrar a existência de pelo menos uma lesão com característica de fibroateroma de capa fina (FACF), ou seja, um fator de pior prognóstico pelo estudo PROSPECT, os pacientes foram incluídos e randomizados para receber Rosuvastatina 40 mg x 10 mg. Ao final de 12 meses, os pacientes foram reestudados com IVUS e, uma parte deles, também com OCT. O objetivo principal do trabalho foi observar  o efeito provocado pela estatina no volume e, principalmente, na composição da placa. Mais do que isso, foi estabelecida já no início a forma como seria medida a redução da placa pelo ultrassom.

Ao final dos 12 meses os achados do IVUS demonstraram:

       
  1. os efeitos benéficos da estatina sobre a placa aconteceram igualmente nos dois grupos (40 mg x 10 mg);
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  3. não houve diferença de eventos clínicos entre os grupos (lembrando: seguimento de apenas 1 ano);
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  5. houve redução do volume total da placa (de 202,9 mm3 para 188,5 mm3, p = 0,001), ou seja, regressão da aterosclerose;
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  7. houve sobretudo mudança da composição da placa com diminuição do volume do núcleo necrótico (de 21,3% para 18,0%, p < 0,001) e diminuição da frequência de pacientes com FACF, ou seja, é o que se chama de passivação da placa;
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  9. as alterações ocorreram de forma independente dos níveis de redução do LDL mas foram mais intensas nos pacientes com PCR basal mais elevado (provavelmente mais inflamados!).

Assim, ficou demonstrado, em um estudo randomizado, com metodologia mais rígida, embora com n mais uma vez pequeno, que o uso de estatinas pode mudar a evolução da placa aterosclerótica provocando mudança na sua composição e até mesmo regressão do volume do ateroma. Além disso, o estudo sugere que quanto mais "instável” e inflamada é a placa em seu estado basal (capa fina, núcleo necrótico grande, PCR elevada), maior é a capacidade de transformação provocada pela estatina.

Por fim, outra ferramenta interessante que este estudo traz é a utilização da OCT como modalidade de imagem intravascular. Tentando explicar resumidamente do que se trata este método para os que ainda não estejam familiarizados: a OCT é uma modalidade de aquisição de imagem intracoronária baseada na varredura do interior do vaso por luz infravermelho que reconstrói a imagem da artéria com uma nitidez 10x maior que o IVUS. Portanto, a capacidade de diferenciar e medir estruturas microscópicas como por exemplo os componentes da placa ateromatosa (capa, núcleo necrótico, presença de cálcio, acúmulo de macrófagos, ruptura, etc.) é maior com o OCT do que com o IVUS. Abaixo, para concluir, colocamos algumas imagens ilustrativas dos dois métodos para exemplificar as diferenças.

Captura de Tela 2016-05-01 às 11.15.12
Captura de Tela 2016-05-01 às 18.34.36
Captura de Tela 2016-05-01 às 18.36.04

Referência:

       
  1. Seung-Jung Park, Soo-Jin Kang, Seong-Wook Park et al. Effect of Statin Treatment on Modifying Plaque Composition A Double-Blind, Randomized Study. J Am Coll Cardiol 2016;67:1772–83.