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Novas diretrizes para tratamento da Doença Coronária Crônica
Escrito por
Humberto Graner
Publicado em
27/7/2023
Foram publicadas as mais recentes diretrizes para tratamento da Doença Coronária Crônica (DCC) - 2023.Pra você ficar ligado nos principais tópicos, trouxemos tudo resumido aqui para você!
Overview
O foco está muito mais na assistência centrada no paciente e baseada em equipe. Como novidade, a diretriz agora considera os determinantes sociais da saúde junto com os custos associados, incorporando a tomada de decisões compartilhada na avaliação de risco, realização de testes e tratamento. Pacientes com doença coronariana crônica devem se envolver na tomada de decisões compartilhada, especialmente quando a evidência não é clara sobre a melhor estratégia diagnóstica ou de tratamento, ou quando existe um trade-off significativo de risco ou benefício.
Estratificação de Risco
Em pacientes com DCC apresentando mudança nos sintomas ou na capacidade funcional, que persiste apesar do tratamento clínico guiado por diretrizes (TCGD), a tomografia por emissão de pósitrons de estresse ou tomografia computadorizada de emissão de fóton único (PET/SPECT MPI), a ressonância magnética cardiovascular (RMC), ou a ecocardiografia de estresse são recomendadas para detectar a presença e extensão da isquemia miocárdica, estimar o risco de eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE) e orientar a tomada de decisões terapêuticas.
A angiografia coronária invasiva (cateterismo) é recomendada para guiar a tomada de decisão terapêutica com o objetivo de melhorar os sintomas anginosos.
O cateterismo não é recomendado para estratificação de risco de rotina, EXCETO para pacientes COM disfunção sistólica do VE, dor torácica estável refratária ao TCGD e/ou testes não invasivos sugestivos de doença significativa (p.ex., >50% de lesão de tronco).
Testes anatômicos ou isquêmicos periódicos de rotina sem uma mudança no status clínico ou funcional não são recomendados para estratificação de risco ou para guiar a tomada de decisões terapêuticas em pacientes com DCC.
Tratamento não farmacológico
Terapias não farmacológicas, incluindo hábitos alimentares saudáveis e exercício, são recomendadas para todos os pacientes com doença coronariana crônica (DCC).
Pacientes com DCC que não possuem contraindicações são encorajados a participar de atividade física regular, incluindo aquelas com objetivo de reduzir o tempo sentado, e aumentar o exercício aeróbico e de resistência.
A reabilitação cardíaca para pacientes elegíveis proporciona benefícios cardiovasculares significativos, incluindo a diminuição da morbidade e mortalidade. Devem ser considerados para reabilitação os pacientes com infarto do miocárdio recente, intervenção coronária percutânea ou cirurgia de revascularização do miocárdio, angina estável, presença de FE reduzida devido à doença isquêmica do coração, pré e pós-transplante cardíaco.
O uso de suplementos, incluindo óleo de peixe e ácidos graxos ômega-3 ou vitaminas, não é recomendado em pacientes com DCC, dada a falta de benefício na redução de eventos cardiovasculares.
Em pacientes com DCC que fumam regularmente, intervenções comportamentais são recomendadas para maximizar as taxas de cessação em combinação com a farmacoterapia, incluindo bupropiona, vareniclina ou terapia de reposição de nicotina de ação longa e curta. Embora aumentem a probabilidade de cessação bem-sucedida do fumo em comparação com a terapia de reposição de nicotina, devido à falta de dados de segurança a longo prazo e aos riscos de uso sustentado, os cigarros eletrônicos não são recomendados como terapia de primeira linha para cessação do fumo. Pacientes com DCC devem evitar a exposição ao fumo passivo para reduzir o risco de eventos cardiovasculares.
Tratamento farmacológico
O uso de iSGLT2 (inibidores do cotransportador de sódio glicose 2) e aGLP-1 (agonistas do receptor do peptídeo 1 análogo ao glucagon) são recomendados para reduzir o risco de MACE em grupos selecionados de pacientes com DCC, incluindo aqueles sem diabetes.
Novas recomendações para o uso de beta-bloqueadores em pacientes com DCC:
- O tratamento de longo prazo com beta-bloqueadores não é recomendada para melhorar os resultados na ausência de infarto do miocárdio no último ano, se a fração de ejeção do ventrículo esquerdo for >50%, se não houver outra indicação primária; e
- Um bloqueador de canais de cálcio ou beta-bloqueador são recomendados como terapia antianginosa de primeira linha de forma equivalentes.
As estatinas continuam sendo o pilar para redução de LDL colesterol em pacientes com DCC. Várias terapias adjuvantes (por exemplo, ezetimiba, inibidores PCSK9, inclisiran, ácido bempedoico) podem ser usadas em populações selecionadas, principalmente naqueles pacientes de alto risco que permanecem com LDL >= 70 mg/dL. Os autores lembram que os dados sobre os resultados clínicos dos novos agentes, como o inclisiran, ainda não estão disponíveis. O foco continua sendo em estatinas de alta potência, com o objetivo de reduzir o LDL em >=50% (os americanos não são muito afeitos às metas, como preconizam as diretrizes brasileiras).
Em adultos hipertensos com DCC, uma meta de pressão arterial de <130/<80 mmHg é recomendada para reduzir eventos cardiovasculares e morte por todas as causas. Além de estratégias não farmacológicas, o tratamento com inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA) ou beta-bloqueadores são recomendados como terapia de primeira linha para aquelas indicações inquestionáveis (por exemplo, infarto do miocárdio recente ou angina). A partir de então, adiciona-se medicamentos anti-hipertensivos conforme a necessidade de otimizar o controle da pressão arterial.
Durações mais curtas de terapia antiplaquetária dupla são seguras e eficazes em muitas circunstâncias, particularmente quando o risco de sangramento é alto e o risco isquêmico é baixo a moderado. Em pacientes com DCC que se submeteram a intervenção coronária percutânea eletiva e que requerem terapia anticoagulante oral, DAPT por 1 a 4 semanas seguido de clopidogrel isolado por 6 meses deve ser administrado além do DOAC. Se não houver história de SCA recente ou indicação de DAPT relacionada a angioplastia, a adição de clopidogrel à terapia com aspirina não é útil para reduzir MACE.
Tratamento da Angina: Os beta-bloqueadores têm sido considerados o primeiro antianginoso a ser usado em pacientes com DCC sintomática, embora a base de evidências para essa priorização não seja forte. Como citado acima, um bloqueador de canais de cálcio ou beta-bloqueador é recomendado como terapia antianginosa de primeira linha. Um segundo agente antianginoso pode ser adicionado a quem permanecer sintomático após o tratamento inicial (betabloqueador, BCC, nitratos de ação prolongada, ranolazina). Em pacientes com DCC e função normal do VE, adicionar ivabradina à terapia antianginosa padrão não deve ser prescrita.
Como o Cardiopapers antecipou aqui, as diretrizes americanas citam a adição de colchicina para prevenção secundária pode ser considerada para reduzir eventos recorrentes de doença aterosclerótica.
Revascularização Miocárdica
Em pacientes com DCC e angina limitante a despeito do tratamento clínico otimizado, que apresente estenoses significativas da artéria coronária passíveis de revascularização, esta é recomendada para melhorar os sintomas.
Em pacientes com DCC que têm doença significativa do tronco de coronária esquerda ou doença multivascular com disfunção grave do VE (FEVE ≤ 35%), a cirurgia de revascularização do miocárdio + tratamento medicamentoso é recomendada para melhorar a sobrevida, em vez de tratamento clínico isolado.
Em pacientes com DCC e doença arterial coronariana multivascular passíveis tanto de cirurgia quanto angioplastia, a revascularização + TCGD é razoável para diminuir o risco de eventos cardiovasculares, como infarto do miocárdio espontâneo, revascularizações urgentes não planejadas ou morte cardíaca.
Em pacientes selecionados com DCC e estenose significativa do tronco de coronária esquerda, nos quais a angioplastia pode proporcionar resultados equivalentes à cirurgia, esta é a escolha razoável para melhorar sobrevida.
Em pacientes com DCC que têm angina ou um equivalente anginoso, sem estudo prévio para isquemia, e estenoses angiográficas intermediárias, o uso de FFR ou outras abordagens de avaliação de fluxo/pressão comprovadas (por exemplo, iFR) é recomendado antes de prosseguir com angioplastia.
Em pacientes com DCC com doença complexa de 3 ou mais vasos, ou para quem a estratégia de tratamento ideal é incerta, uma abordagem com Heart Team (incluindo representantes de cardiologia clínica, intervencionista e cirurgia cardíaca) é recomendada para melhorar os resultados dos pacientes.
Miscelânea
Infecções como influenza, pneumonia pneumocócica e COVID-19 são um fator contribuinte para MACE e morte por todas as causas, especialmente em pacientes com DCC. As diretrizes recomendam a vacinação anual contra a gripe para reduzir a morbidade cardiovascular, a morte cardiovascular e a morte por todas as causas. Eles também reforçam a vacinação contra COVID-19 de acordo com as diretrizes de saúde pública para reduzir as complicações do COVID-19, e que uma vacina pneumocócica é razoável para reduzir a morbidade cardiovascular e a mortalidade e a morte por todas as causas nesses pacientes.
Mulheres com DCC não devem receber terapia hormonal sistêmica pós-menopausa devido à falta de benefício em MACE e mortalidade, e ao aumento do risco de tromboembolismo venoso.
Finalmente, estudos são necessários para avaliar quais intervenções levam à implementação efetiva de diretrizes na prática clínica. Da mesma forma, pesquisas são necessárias para avaliar o efeito de uma nova diretriz nos níveis do paciente, da clínica, do hospital, do sistema de saúde e da comunidade.
Referência
Virani SS, Newby LK, Arnold SV, et al.:2023 AHA/ACC/ACCP/ ASPC/NLA/PCNA Guideline for the Management of Patients With Chronic Coronary Disease: A Report of the American Heart Association/American College of Cardiology Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol 2023;Jul 20:[Epub ahead of print].