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FFR ajuda na decisão de angioplastar ou não paciente com coronariopatia crônica?
Escrito por
Cristiano Guedes
Publicado em
19/11/2017
Este mês, foi apresentado no TCT (Transcatheter Cardiovascular Therapeutics em Denver - CO, EUA) e publicado no Circulation1, o seguimento de 3 anos do estudo FAME-2. Esses novos dados mostraram que a intervenção coronária percutânea (ICP) em pacientes com doença coronária crônica (DAC) estável e estenoses funcionalmente significativas (FFR ≤ 0.80), está associada a melhores resultados clínicos, melhor qualidade de vida a longo prazo e até com melhor perfil de custo-efetividade com o passar dos anos, quando comparado ao tratamento medicamentoso otimizado (TMO) isolado.
O estudo multicêntrico FAME-2 (n = 1.220 pacientes) incluiu pacientes com DAC estável e estenoses angiograficamente importantes, todas interrogadas por FFR. Os pacientes que tinham pelo menos uma lesão com demonstração de limitação de fluxo (FFR ≤ 0.80) foram randomizados para ICP + TMO ou TMO isolado. Esse estudo foi interrompido precocemente e os dados iniciais mostraram uma maior incidência do desfecho composto primário de morte por todas as causas, infarto (IAM) ou revascularização urgente no grupo que permaneceu apenas em TMO isolado.
Esses novos dados de seguimento prolongado (3 anos) mostraram uma taxa de eventos cardíacos adversos maiores de 10% no grupo tratado por ICP vs 22% no grupo tratado com TMO isolado (p <0,001). A incidência de revascularizações urgentes foi quatro vezes maior no grupo TMO isolado do que nos pacientes ICP (17,2% vs 4,3%, p <0,001). Apesar de numericamente menor no grupo ICP, as taxas de morte e IAM não atingiram significância estatística. Vale observar a taxa elevada de crossover (44,2% dos pacientes do grupo TMO isolado foram submetidos a angioplastia durante o seguimento), que pode ter diminuído as diferenças entre os grupos no tocante a morte e infarto. Ficou claro o benefício do alívio sintomático. Observou-se, consistentemente durante os 3 anos, uma menor quantidade de pacientes com angina CCS II-IV no grupo ICP do que no grupo TMO isolado (p<0,001), além de uma taxa de utilização de drogas antianginosas significativamente menor no grupo ICP.
Em análises robustas de qualidade de vida e custo-efetividade de ambas as abordagens terapêuticas, concluiu-se que, apesar de incialmente ser uma estratégia mais cara, a ICP é economicamente mais atrativa no longo prazo, pois se associa a melhor qualidade de vida e custos finais acumulados semelhantes ao TMO isolado.
Alguns estudos, como o clássico COURAGE2, sugeriram haver apenas pequena diferença em termos de desfecho clínico e qualidade de vida entre essas estratégias, além de maior custo para ICP. No entanto, é importante ressaltar a limitação de se ter incluído pacientes coronariopatas com pouca ou nenhuma isquemia miocárdica (sem benefício de revascularização), além do uso de técnicas e materiais já superados para realizar ICP3.
O FAME-2 está alinhado com diversos outros estudos que mostram associação do benefício da ICP proporcional ao grau de isquemia4. Quanto mais positiva a FFR (ou seja, quanto menor o valor da FFR), maior o benefício da revascularização no vaso interrogado5. Se não dispusermos de FFR, podemos raciocinar de forma semelhante, estabelecendo situações que denotem maior benefício da revascularização: pacientes muito sintomáticos, características anatômicas que envolvam grande território miocárdico em risco (lesões de tronco de coronária esquerda, lesões proximais, lesões em descendente anterior, lesões multiarteriais), isquemia demonstrável em exames não invasivos. Portanto, em doença coronária crônica, precisamos tomar decisões para o paciente individual, levando em consideração sua história clínica, comorbidades, atividades diárias, o grau de estenose angiográfica e, de forma cada vez mais relevante, a fisiologia coronária invasiva.
Referências bibliográficas:
- Fearon WF et al. Clinical outcomes and cost-effectiveness of fractional flow reserve-guided percutaneous coronary intervention in patients with stable coronary artery disease: three-year follow-up of the FAME 2 trial. Circulation. 2017.
- Boden WE et al. COURAGE Trial Research Group. Optimal medical therapy with or without PCI for stable coronary disease. N Engl J Med. 2007.
- Kereiakes DJ et al. The truth and consequences of the COURAGE trial. J Am Coll Cardiol. 2007.
- Barbato E et al. A prospective natural history study of coronary atherosclerosis using fractional fow reserve. J Am Coll Cardiol. 2016.
- Johnson NP et al. Prognostic value of fractional fow reserve: linking physiologic severity to clinical outcomes. J Am Coll Cardiol. 2014.