Como definir a disfunção de órgãos e tecidos na nova classificação de obesidade?

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Nada deu tanto o que falar no mundo da endocrinologia em janeiro de 2025 quanto a nova proposta de classificação da obesidade publicada no The Lancet. Em outro texto, já resumimos as principais definições desta proposta. E entendemos que obesidade clínica seria aquela em que o excesso de adiposidade vem acompanhado de: função reduzida de órgãos e tecidos; limitações significativas de atividades diárias; ou ambas. Mas como definir se há presença de função reduzida de órgãos e tecidos? É isto que detalharemos a seguir.

 

A disfunção orgânica causada pela obesidade pode resultar de mecanismos fisiopatológicos distintos, como o efeito físico do excesso de tecido adiposo, a presença de gordura ectópica em alguns tecidos e mecanismos metabólicos e inflamatórios. Dito isso, devemos nos atentar para a presença de disfunção nos seguintes tecidos e sistemas:

 

1.       Musculoesquelético: pode ocorrer osteoartrite, especialmente em grandes articulações, como quadril e joelhos.

2.       Vias aéreas superiores: a obstrução destas vias pela obesidade pode levar à síndrome da apneia obstrutiva do sono e à síndrome da hipoventilação da obesidade.

3.       Respiratório: pode ocorrer dispneia pelo efeito da adiposidade intra-abdominal sobre a complacência diafragmática, especialmente em situações de aumento da demanda de oxigênio, como durante atividades físicas.

4.       Linfático: o linfoedema pode ser uma complicação da obesidade grave e levar à dor e limitação do movimento. Outra complicação é o lipedema, caracterizado pelo acúmulo simétrico de tecido adiposo subcutâneo nos membros inferiores.

5.       Cardiovascular: a obesidade aumenta o risco de insuficiência cardíaca (com fração de ejeção reduzida ou preservada), de fibrilação atrial crônica ou recorrente, de hipertensão arterial pulmonar e de tromboembolismo.

6.       Metabólico: o cluster metabólico que deve ser considerado para se caracterizar a obesidade como clínica corresponde à combinação de hiperglicemia com níveis aumentados de triglicerídeos e reduzidos deHDL-colesterol. As partículas predominantes de LDL-colesterol (LDL-c) são as pequenas e densas, mas não necessariamente há aumento dos níveis de LDL-c.

7.       Reprodutivo: em mulheres pode haver a presença de síndrome dos ovários policísticos e suas consequências clínicas, enquanto homens podem apresentar hipogonadismo hipogonadotrófico funcional e/ou infertilidade.

8.       Hepática: pode ocorrer doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica com presença de fibrose.

9.       Renal: a glomerulopatia relacionada à obesidade é reconhecida e pode levar à microalbuminúria com taxa de filtração reduzida.

10.  Urinário:é comum ocorrer incontinência urinária crônica, especialmente em mulheres.

11.  Neurológico: obesidade pode ser causa de hipertensão intracraniana, cursando com cefaleia severa e perda visual pelo papiledema.

 

Portanto, para um adequado diagnóstico de obesidade clínica, é preciso que uma anamnese e um exame físico detalhados sejam realizados em busca de sinais e sintomas das condições citadas acima. Caso necessários, exames diagnósticos devem ser solicitados, como polissonografia e ecocardiograma. Avaliação de testes laboratoriais, como glicemia de jejum, hemoglobina clicada, perfil lipídico e creatinina também ajudarão na avaliação da presença de alguma disfunção orgânica associada à obesidade.