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Obesidade Clínica: Definição e critérios diagnósticos da nova classificação
Escrito por
Luciano Albuquerque
Publicado em
25/1/2025
A obesidade foi reconhecida pela primeira vez como uma doença pela OMS em1948 e, mais recentemente, também por várias sociedades médicas de diversospaíses. De acordo com a Associação Brasileira para Estudo da Obesidade (ABESO),“obesidade é uma doença crônica que tende a piorar com o passar dos anos, casoo paciente não seja submetido a um tratamento adequado e contínuo.” Outrosgrupos apontam que a obesidade é uma condição altamente heterogênea e quemuitas pessoas com excesso de adiposidade não apresentam sinais de doençacontínua, devendo ser definida como um fator de risco e não uma doença.
O critério objetivo atualmenteutilizado no diagnóstico da obesidade é o índice de massa corpórea (IMC). Talabordagem pode subestimar ou superestimar a adiposidade e fornecer informaçõesinadequadas sobre a saúde em nível individual. Criticando o posicionamentoatual, uma comissão internacional organizada pelo jornal The Lancet traz umaproposta para estabelecer critérios objetivos para o diagnóstico da obesidadeclínica, como uma doença que resulta diretamente do efeito do excesso deadiposidade na função de órgãos e tecidos.
Assim, a recomendação seria usar oIMC para triagem, em vez de como uma medida individual de saúde. Pacientes comIMC ≥ 25kg/m2 seriam avaliados para confirmar o excesso de adiposidade pormedição direta da gordura corporal, quando disponível, ou por pelo menos umcritério antropométrico (por exemplo, circunferência da cintura, relaçãocintura-quadril ou relação cintura-altura). Em pessoas com IMC muito alto (ouseja, >40 kg/m2), no entanto, o excesso de adiposidade seria presumido enenhuma confirmação adicional necessária. Na presença de dois criteriosantropométricos alterados, também estaria confirmado o excesso de adiposidade,independente do IMC.
Pessoas com excesso de adiposidadeconfirmada devem ser avaliadas quanto ao diagnóstico de obesidade clínica. Odiagnóstico requer um ou ambos os seguintes critérios principais:
1. Evidência de função reduzida deórgãos ou tecidos devido à obesidade (ou seja, sinais, sintomas ou testesdiagnósticos mostrando anormalidades na função de um ou mais sistemas detecidos ou órgãos); ou
2. Limitações substanciais nasatividades diárias, refletindo o efeito específico da obesidade na mobilidade eem outras atividades básicas da vida diária (por exemplo, banho, vestimenta,higiene, continência e alimentação), ou ambos.
Quando tais critérios não forematendidos, ou seja, excesso de adiposidade sem alteração de função orgânica oulimitação de atividades, seria dado o diagnóstico de obesidade pré-clínica. Talcondição estaria associada a risco variável, mas geralmente aumentado, dedesenvolver obesidade clínica e várias outras doenças não transmissíveis (porexemplo, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, certos tipos de câncer edistúrbios mentais).
Pessoas com obesidade clínica devemreceber tratamento oportuno e baseado em evidências, com o objetivo de induzirmelhora (ou remissão, quando possível) das manifestações clínicas da obesidadee prevenir a progressão para danos a órgãos-alvo. Pessoas com obesidadepré-clínica devem passar por aconselhamento de saúde baseado em evidências,monitoramento de seu estado de saúde ao longo do tempo e, quando aplicável,intervenções apropriadas para reduzir o risco de desenvolver obesidade clínicae outras doenças relacionadas à obesidade. De acordo com os autores “Aobesidade pré-clínica geralmente não requer tratamento com medicamentos oucirurgia, e pode precisar apenas de monitoramento da saúde ao longo do tempo eaconselhamento de saúde”.
Por essa proposta, o tratamento daobesidade seria direcionado a ações com evidências sedimentadas de redução dasconsequências associadas ao invés de buscar a redução de peso per si.
Antes de adotar a proposta épreciso buscar reflexões. Ao longo dos últimos anos houve um grande esforço dediversas sociedades para o reconhecimento da obesidade, definida até então pelocritério do IMC, como uma doença. O crescimento alarmante da proporção dapopulação classificada como obesidade tem motivado políticas para combater acondição. A mudança de proposta pode impor atraso no diagnóstico, considerandoa necessidade de confirmar critérios, além de passar uma idéia de “obesidadesaudável”. A proposta de uma abordagem terapêutica especifica apenas diante daevidência de alteração funcional também pode criar uma perigosa inérciaterapêutica. O debate é necessário.