Novo medicamento no tratamento da obesidade: o glucagon ganha protagonismo

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Foi publicado no New England Journal of Medicine (maio de 2025) o estudo GLORY-1, que avaliou a eficácia e a segurança do mazdutide, um agonista dual dos receptores de GLP-1 e glucagon, no tratamento da obesidade e do sobrepeso. Trata-se de um ensaio clínico de fase 3, duplo-cego, placebo-controlado, conduzido exclusivamente na China, com 610 adultos com IMC ≥ 28 kg/m² (obesidade) ou IMC entre 24 e 27,9 kg/m² associado a ao menos uma comorbidade relacionada ao excesso de peso, como dislipidemia, MAFLD, hipertensão, hiperuricemia, apneia obstrutiva do sono ou pré-diabetes.

Os participantes foram randomizados para receber mazdutide 4 mg/semana, mazdutide 6 mg/semana ou placebo, por via subcutânea, durante 48 semanas. A dose foi escalonada progressivamente: o grupo 4 mg iniciou com 2 mg por 4 semanas, subindo para 4 mg; o grupo 6 mg seguiu até 8 semanas com 4 mg, e a partir da semana 9 recebeu 6 mg semanalmente. O estudo teve dois desfechos primários: (1) variação percentual no peso corporal até a semana 32 e (2) proporção de pacientes com perda ≥5% do peso nesse mesmo ponto.

Os resultados mostraram reduções de peso estatisticamente e clinicamente significativas. Na semana 32, a perda ponderal média foi de –10,1% no grupo 4 mg e –12,6% no grupo 6 mg, contra +0,5% no placebo. A proporção de pacientes com redução ≥5% do peso foi de 74% com 4 mg e 82% com 6 mg, versus apenas 10% no placebo (p < 0,001 para todos os comparativos). Aos 48 semanas, 49,5% dos pacientes em uso de mazdutide 6 mg e 35,7% em uso de 4 mg atingiram perda ≥15% do peso corporal, em contraste com apenas 2% no grupo placebo. Além da perda de peso, observaram-se benefícios significativos em múltiplos desfechos cardiometabólicos: menor circunferência abdominal (–9,3 cm com 6 mg vs –1,4 cm no placebo), reduções na pressão arterial sistólica (–8,6 vs –2,1 mmHg), triglicerídeos (–58 vs –14 mg/dL), colesterol total (–11 vs +6 mg/dL), LDL-c (–8 vs +4 mg/dL), ácido úrico (–0,6 vs +0,1 mg/dL) e TGP (–13,9 vs –4,4 U/L).

Eventos adversos foram predominantemente gastrointestinais, como náusea (32–50%), diarreia e vômito, concentrando-se na fase de escalonamento. A taxa de descontinuação por eventos adversos foi baixa: 1,5% com 4 mg e 0,5% com 6 mg. Pequenos aumentos transitórios na frequência cardíaca foram observados, sem eventos cardiovasculares adversos significativos.

Do ponto de vista fisiopatológico, os autores enfatizam o papel do agonismo do receptor de glucagon como diferencial do mazdutide em relação aos agonistas isolados do GLP-1. O estímulo do receptor de glucagon promove lipólise, oxidação de ácidos graxos e redução da gordura hepática, com possível efeito adjuvante na redução de triglicerídeos, TGP e ácido úrico, especialmente relevantes em populações com alta prevalência de MAFLD e dislipidemia. Dados de estudos anteriores com o mazdutide também apontam esse perfil. A possibilidade de redução sustentada de peso e melhora do espectro metabólico hepático/lipídico reforça a relevância clínica dessa abordagem dual.

Embora o estudo tenha sido restrito a pacientes chineses e excluído indivíduos com diabetes tipo 2, novos ensaios estão em andamento, incluindo comparações diretas com semaglutida e uso do mazdutide em dose de 9 mg. Em síntese, os resultados do GLORY-1 posicionam o mazdutide como uma potencial nova opção terapêutica no manejo da obesidade, com efeitos amplos sobre risco cardiometabólico e segurança aceitável, sustentando a investigação futura de agonistas duais GLP-1/glucagon como nova classe farmacológica na área de endocrinologia metabólica.