Metformina confere proteção renal em pacientes com diabetes?

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A doença renal diabética (DRD) é a principal causa de doença renal terminal (DRT). Nesse contexto, inibir seu desenvolvimento e progressão é uma questão central no plano terapêutico dos pacientes com diabetes tipo 2. Apesar de estudos recentes demonstrando benefícios com diferentes agentes na DRD, os achados populacionais seguem apontando elevadas prevalência e incidência, com significativo impacto na morbimortalidade relacionada ao diabetes.

Um estudo retrospectivo multicêntrico, publicado no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism (2025), investigou os efeitos renoprotetores da metformina em pacientes com diabetes tipo 2. Realizado em sete hospitais de Taiwan, o estudo analisou 316.693 pacientes com diabetes tipo 2 entre 2006 e 2016, com foco em 13.096 pacientes que iniciaram tratamento com metformina e um grupo equivalente de 13.096 pacientes não usuários, pareados para fatores como idade, sexo, eGFR basal, proteinúria e HbA1c. O objetivo foi avaliar se a metformina reduz a progressão de doenças renais, incluindo duplicação de creatinina sérica, eGFR ≤ 15 mL/min/1,73 m² e doença renal terminal (DRT).

Os resultados indicaram que os usuários de metformina apresentaram menor incidência de desfechos renais adversos. Durante um acompanhamento mediano de aproximadamente três anos, 8% dos pacientes apresentaram duplicação persistente de creatinina sérica e 2% progrediram para DRT. Análises ajustadas mostraram que os usuários de metformina tiveram uma redução significativa no risco de duplicação de creatinina (HR 0,71) e DRT (HR 0,55).

A análise de subgrupos revelou que o efeito renoprotetor da metformina foi consistente na maioria dos grupos, exceto em pacientes com eGFR > 90 mL/min/1,73 m², onde não houve diferença significativa. Pacientes com menos de 45 anos não apresentaram efeito significativo para DRT, e aqueles com doença cerebrovascular, hepática crônica ou malignidades não mostraram benefícios consistentes em alguns desfechos renais. Esses achados sugerem que a eficácia da metformina pode variar dependendo das características basais dos pacientes, como função renal inicial e comorbidades.

Os mecanismos potenciais para o efeito renoprotetor da metformina incluem a redução de glomerulosclerose, fibrose e lesão tubular. Estudos citados indicam que a metformina inibe a expressão do fator de crescimento transformador β (TGFb), reduz o estresse oxidativo e a inflamação, e modula a apoptose em células tubulares renais. Além disso, ativação da via AMPK/Sirt1/FoxO1 pode contribuir para a proteção renal, promovendo autofagia e reduzindo inflamação. No entanto, o papel da metformina na glicólise renal ainda é pouco compreendido e requer mais investigação.

Apesar dos achados promissores, o estudo apresenta limitações importantes. Por ser observacional, não elimina completamente confundidores residuais. As diferenças basais entre os grupos, como maior prevalência de comorbidades no grupo não-metformina, podem ter influenciado os resultados. Além disso, o  diagnóstico de DRT pode levar a erros de classificação, e a falta de dados sobre resistência à insulina limitou análises adicionais sobre quais pacientes se beneficiariam mais da metformina.

Comparado a estudos anteriores, este trabalho se destaca pelo tamanho da amostra e pelo uso de propensity score matching para reduzir vieses. Estudos prévios, como o UK Prospective Diabetes Study, mostraram benefícios renais da metformina, enquanto outros, como o ADOPT, não encontraram proteção microvascular. A inclusão de múltiplos centros e o acompanhamento prolongado fortalecem as evidências deste estudo, embora ensaios randomizados sejam necessários para confirmar os achados.

Os resultados reforçam a relevância da metformina como uma opção terapêutica em pacientes com diabetes tipo 2, especialmente considerando seu potencial renoprotetor. A redução significativa nos desfechos renais adversos é promissora, mas a variabilidade nos efeitos entre subgrupos sugere a necessidade de personalização do tratamento. Pacientes com comorbidades específicas, como doenças hepáticas ou malignidades, podem não se beneficiar tanto, o que destaca a importância de avaliações individualizadas. A limitação observacional do estudo sublinha a necessidade de ensaios clínicos randomizados com maior duração e amostras diversificadas para esclarecer os mecanismos e otimizar o uso da metformina. Enquanto isso, os dados apresentados apoiam a continuidade do uso da metformina em pacientes com efeitos colaterais leves, considerando seus benefícios potenciais para a saúde renal a longo prazo.