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Como Angioplastia Guiada Fisiologicamente tem Revolucionado a Intervenção Coronária
Escrito por
Humberto Graner
Publicado em
6/3/2024
Nos últimos anos, a fisiologia coronária evoluiu o seu papel na prática clínica. Inicialmente, a sua utilidade estava confinada a um processo binário de tomada de decisão: tratar ou não uma lesão específica. No entanto, com o advento de técnicas inovadoras como a reserva de fluxo fracionada derivada de microcateter (FFR), a capacidade de reunir e utilizar todas as informações que a fisiologia pode fornecer aumentou significativamente. Isso vale tanto para o planejamento de procedimentos, quanto para avaliar a eficácia de uma angioplastia por meio de FFR pós-ICP.
Nesse sentido, o ensaio clínico AQVA I havia fornecido evidências que apoiam a superioridade da avaliação fisiológica coronária em relação aos procedimentos guiados exclusivamente pela angiografia. No entanto, o estudo tinha algumas limitações: as lesões coronárias apresentavam baixa complexidade anatômica, e as avaliações pós-angioplastia baseavam-se na razão de fluxo quantitativa (QFR), em vez da medida padrão-ouro com FFR invasivo.
FFR por microcateter versus FFR derivada de angiografia versus QFR
FFR por Microcateter é considerado o padrão-outro. Consiste na medição direta da pressão arterial antes e depois da estenose coronária, utilizando um microcateter equipado com sensores de pressão. É um procedimento invasivo, requerendo a introdução de um cateter através da lesão.
Já a FFR derivado da angiorafia ou QFR (razão de fluxo quantitativa), são métodos de avaliação do fluxo coronário obtidos de forma não invasiva. A FFR derivada da angiografia (angiography-derived FFR) utiliza imagens da coronariografia para avaliar indiretamente a gravidade das lesões coronárias. Já a QFR (razão de fluxo quantitativa) também calcula o fluxo sanguíneo e a pressão através das estenoses usando imagens de angiografia coronariana e software de análise, sem a necessidade de hardware invasivo.
Quais as novidades do estudo AQVA II?
Este novo estudo teve como objetivo demonstrar a superioridade da angioplastia guiada fisiologicamente sobre a angioplastia convencional em procedimentos complexos indicados de alto risco. Além disso, o objetivo secundário foi estabelecer a não inferioridade da FFR derivada da angiografia (não-invasivo) em comparação com a FFR por microcateter (invasivo).
O estudo envolveu 305 pacientes, randomizados 1:2 entre ICP baseada em angiografia convencional e ICP baseada em fisiologia. Neste último grupo, os pacientes foram randomizados 1:1 para receber orientação FFR derivada de angiografia ou derivada de microcateter.
No geral, 70% dos pacientes alcançaram o valor ideal de FFR pós-angioplastia (>0,86), com uma proporção significativamente maior observada no grupo de angioplastia guiada fisiologicamente em comparação com o grupo de angioplastia com base em angiografia convencional (diferença absoluta 23%; diferença relativa 30%; IC95% 17%–29%; p<0,0001).
Além disso, foi demonstrada não inferioridade da angioplastia guiada por FFR não-invasiva em comparação com aquelas guiadas por FFR por microcateter (diferença absoluta 4,9%; IC95% 1,6%-11%; P<0,41). Notavelmente, embora o uso de contraste tenha sido significativamente maior no grupo orientado por FFR derivada da angiografia, não foram observadas diferenças significativas na duração do procedimento ou no uso de radiação entre os dois grupos.
Na Prática!
Os resultados do AQVA II demonstram a superioridade da angioplastia fisiologicamente planejada sobre a angioplastia convencional (aquela feita no "olhômetro"!), principalmente em procedimentos complexos indicados de alto risco. A FFR derivada da angiografia é menos invasiva e pode ser obtida a partir de uma única projeção. Contudo, a sua implementação requer conhecimentos e recursos/softwares específicos, que podem não estar disponíveis em todos os laboratórios de cateterismo. Por outro lado, a FFR derivada do microcateter é mais prática e mais difundida. No entanto, a sua dependência da administração intravenosa de adenosina pode representar desconforto tanto para os pacientes como para os operadores.
Os resultados do AQVA II confirmaram também demonstraram a não inferioridade entre os métodos de orientação invasiva ou não invasiva de FFR. Este estudo é um marco na estratégia de angioplastia guiada fisiologicamente. A continuidade das pesquisas e a implementação desses recursos no dia-a-dia do cardiologista intervencionista são essenciais para estabelecer definitivamente o impacto dessa estratégia na redução de eventos adversos cardiovasculers.
Referência
Biscaglia, S, Verardi, F, Erriquez, A. et al. Coronary Physiology Guidance vs Conventional Angiography for Optimization of Percutaneous Coronary Intervention: The AQVA-II Trial. J Am Coll Cardiol Intv. 2024 Jan, 17 (2) 277–287.https://doi.org/10.1016/j.jcin.2023.10.032