Como a exposição precoce a fatores de risco cardiovascular pode afetar pacientes jovens?

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Estudos experimentais sugerem que fatores de riscos cardiovasculares podem causar danos cerebrais, tanto em tecido vascular, quanto neuronal. Entretanto, os mecanismos ainda são incertos. Desta forma, seria possível que a exposição a fatores de riscos cardiovasculares em estágios iniciais da vida (criança/adolescente) pudesse afetar a cognição quando adultos.

Publicado recentemente no JACC, trabalho realizado na Finlândia (parte do Young Finns Study) avaliou exatamente esta questão. Trata-se de um estudo longitudinal sobre fatores de riscos cardiovasculares iniciado em 1980 e terminado em 2011. Foram randomizadas 3596 crianças e adolescentes de idades 3, 6, 9, 12,15 e 18 anos e acompanhados até se tornarem adultos.

O objetivo do estudo foi investigar a associação entre fatores de riscos cardiovasculares em crianças/adolescentes e a performance cognitiva na vida adulta. Este foi o primeiro estudo a avaliar esses efeitos cumulativos.

Uma série de testes cognitivos foram realizados em 2026 pacientes na fase adulta (idade entre 34 e 49 anos). Foram mensurados pressão arterial, níveis de colesterol total (CT), LDL colesterol, triglicérides, peso e altura (assim como IMC) e exposição a cigarro. No total, foram avaliados 1901 pacientes.

Os autores encontraram que o aumento cumulativo da pressão arterial sistólica, CT e cigarro em crianças/adolescentes estava associado, de forma independente, à piora da memória e aprendizado quando adultos.

Em resumo, os efeitos da exposição precoce a fatores de riscos cardiovasculares foram fortemente associados com alteração na memória visual e aprendizado na fase adulta, independentemente da exposição a esses fatores nessa fase da vida. Esses achados evidenciam a necessidade de estratégias para monitoramento e tratamento de fatores de riscos cardiovasculares em crianças e adolescentes, a fim de prevenir futuros déficits cognitivos.

Nota do editor: este estudo é extremamente interessante por mostrar as consequências deletérias que os fatores de risco tradicionais podem ter mesmo em adultos jovens. Já há trabalhos mostrando, por exemplo, que tabagismo, hipertensão e dislipidemia estão associados à pior função cognitiva em idosos. Contudo, a evidência de que estes mesmos fatores podem influenciar cognição já em adultos com menos de 50 anos mostra o impacto que tais comorbidades podem causar em termos populacionais. Trata-se de mais um argumento que podemos usar ao conversar com pacientes jovens que apresentam alguma destas alterações que nos procuram no consultório. A exposição de dados como estes ajuda no processo de "convencimento" do paciente de que é importante aderir a medidas comportamentais e ocasionalmente farmacológicas para a correção de fatores de risco. (Eduardo Lapa)

Referência:

Cardiovascular Risk Factors From Childhood and Midlife Cognitive Performance -The Young Finns Study.Suvi P. Rovio, PHD, et al. JOURNAL OF THE AMERICAN COLLEGE OF CARDIOLOGY VOL. 69, NO. 18, 2017