Colchicina: tudo o que você precisa saber na doença aterosclerótica

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Colchicina: tudo o que você precisa saber na doença aterosclerótica

Recentemente, o FDA aprovou uma extensão da bula da colchicina, agora também indicada para prevenir eventos cardiovasculares na doença aterosclerótica.

Hoje, vamos contextualizar um pouco mais a colchicina neste cenário, relembrando as características desta medicação, as evidências clínicas, e como prescrever.

Qual o racional para a colchicina na doença cardiovascular?

A inflamação desempenha um papel central na patogênese da aterosclerose. Por isso, agentes antinflamatórios que possam melhorar tanto a progressão da aterosclerose quanto os resultados cardiovasculares são extensivamente estudados.

A colchicina é um alcaloide botânico derivado da flor Colchicum autumnale, descrita pela primeira vez como uma planta medicinal no papiro Ebers do antigo Egito em 1550 aC, onde foi usada para o tratamento da dor e inchaço.

Atualmente, a colchicina é amplamente utilizada para o tratamento de surtos agudos de gota e febre mediterrânea familiar (FMF). Também tem sido usado em outras condições inflamatórias, como na pericardite. Dada a facilidade de acesso, baixo custo e perfil de segurança favorável, a colchicina surgiu como um potencial tratamento oral visando o componente inflamatório da aterosclerose.

Quais as propriedades farmacológicas da colchicina?

A colchicina é rapidamente absorvida pelo jejuno e íleo com uma biodisponibilidade que oscila entre 24 a 88%.

O pico de concentração plasmática máximas ocorre dentro de 0,5 a 2 horas após a administração oral.

Na circulação, aproximadamente 40% está conjugado com proteínas plasmáticas, o que contribui para sua ampla distribuição para os leucócitos periféricos.

A maior parte da droga sofre recirculação êntero-hepática, levando a um segundo pico no plasma dentro de 6 horas após a ingestão, e é eliminada pelas fezes e bile.

A meia-vida média é de 20 h, que pode ser prolongada na insuficiência renal e cirrose hepática.

A colchicina interage com o citocromo P450 3A4 (CYP3A4) e a glicoproteína P. Reações adversas foram relatadas por pacientes que utilizam inibidores da CYP3A4 ou inibidores da glicoproteína P, resultando em alteração do metabolismo da colchicina e toxicidade. O ajuste da dose é recomendado nestas situações.

Quais as principais evidências do uso de colchicina neste cenário?

Alguns ensaios clínicos randomizados testaram a colchicina em cenários de doença arterial coronária e aterosclerose.

O estudo COLCOT, focado em Síndrome Coronariana Aguda (SCA), envolveu a randomização de 4.745 pacientes após infarto agudo do miocárdio, e mostrou que a colchicina reduziu significativamente o risco de eventos cardiovasculares adversos em 23%, impulsionado principalmente por uma diminuição na incidência de AVC e hospitalização por angina instável. No estudo australiano COPS, houve uma redução significativa de 40% em uma combinação de eventos adversos após 24 meses de tratamento com colchicina.

Outro estudo importante foi o LoDoCo, que focou na síndrome coronária crônica (SCC). Ele envolveu 532 pacientes e constatou que a colchicina reduziu o risco do desfecho primário em 67%. O estudo subsequente, LoDoCo 2, que envolveu um número dez vezes maior de pacientes e um desenho de estudo mais robusto, confirmou esses resultados mostrando uma redução de 31% no desfecho primário.

Embora tenha havido variação entre os estudos individuais, metanálises também mostraram que a colchicina reduziu o risco de infarto do miocárdio, AVC ou morte cardiovascular entre 20 e 30%.

A aplicabilidade dos resultados pode variar de acordo com subconjuntos de pacientes. Por exemplo, os benefícios da colchicina podem ser ainda maiores em pacientes com diabetes mellitus. No entanto, como a maioria dos estudos excluiu pacientes com insuficiência cardíaca e doença renal crônica, os efeitos da colchicina nessas populações ainda são desconhecidos.

Apesar dos efeitos benéficos, existem preocupações sobre a mortalidade NÃO-cardiovascular associada ao uso de colchicina. O estudo COPS indicou uma taxa maior de morte por todas as causas no grupo da colchicina, devido a um aumento nas mortes não cardiovasculares, sobretudo infecções e sepse. As metanálises mostraram uma incidência menor não significativa de mortalidade cardiovascular, contrabalançada por uma incidência não significativa maior de mortes não cardiovasculares.

Veja um resumo dos principais estudo abaixo

E como prescrever?

Como pode ver no sumário dos estudos abaixo, a dose utilizada nos estudos foi de 0,5mg 1x/dia (SCC) ou 0,5mg duas vezes ao dia (SCA).

Para quem?

No que diz respeito à prescrição, a colchicina pode ser considerada em diversos contextos de pacientes com coronariopatia. Se, após a otimização do tratamento clínico, onde os fatores de risco tradicionais foram especificamente abordados, e o paciente ainda assim apresentar elevado risco inflamatório residual, a colchicina pode ser considerada.

Para saber mais:

ReferênciasTardif J.C., Kouz S., Waters D.D., Bertrand O.F., Diaz R., Maggioni A.P., Pinto F.J., Ibrahim R., Gamra H., Kiwan G.S., et al. Efficacy and Safety of Low-Dose Colchicine after Myocardial Infarction. N. Engl. J. Med. 2019;381:2497–2505. doi: 10.1056/NEJMoa1912388.Bouabdallaoui N., Tardif J.C., Waters D.D., Pinto F.J., Maggioni A.P., Diaz R., Berry C., Koenig W., Lopez-Sendon J., Gamra H., et al. Time-to-treatment initiation of colchicine and cardiovascular outcomes after myocardial infarction in the Colchicine Cardiovascular Outcomes Trial (COLCOT) Eur. Heart J. 2020;41:4092–4099. doi: 10.1093/eurheartj/ehaa659.Tong D.C., Quinn S., Nasis A., Hiew C., Roberts-Thomson P., Adams H., Sriamareswaran R., Htun N.M., Wilson W., Stub D., et al. Colchicine in Patients with Acute Coronary Syndrome: The Australian COPS Randomized Clinical Trial. Circulation. 2020;142:1890–1900. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.120.050771. Tong D.C., Bloom J.E., Quinn S., Nasis A., Hiew C., Roberts-Thomson P., Adams H., Sriamareswaran R., Htun N.M., Wilson W., et al. Colchicine in Patients with Acute Coronary Syndrome: Two-Year Follow-Up of the Australian COPS Randomized Clinical Trial. Circulation. 2021;144:1584–1586. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.121.054610. Nidorf S.M., Eikelboom J.W., Budgeon C.A., Thompson P.L. Low-dose colchicine for secondary prevention of cardiovascular disease. J. Am. Coll. Cardiol. 2013;61:404–410. doi: 10.1016/j.jacc.2012.10.027.Nidorf S.M., Fiolet A.T.L., Mosterd A., Eikelboom J.W., Schut A., Opstal T.S.J., The S.H.K., Xu X.F., Ireland M.A., Lenderink T., et al. Colchicine in Patients with Chronic Coronary Disease. N. Engl. J. Med. 2020;383:1838–1847. doi: 10.1056/NEJMoa2021372.Opstal TSJ, Fiolet ATL, van Broekhoven A, et al. Colchicine in Patients With Chronic Coronary Disease in Relation to Prior Acute Coronary Syndrome. J Am Coll Cardiol. 2021; 78(9):859-866.