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AVC criptogênico e forame oval patente (FOP): fechar ou não fechar o defeito septal?
Escrito por
Eduardo Pessoa
Publicado em
13/6/2018
A incidência de acidente vascular cerebral (AVC) nos Estados Unidos gira em torno de 800.000 casos por ano, destes aproximadamente 30% são considerados criptogênicos. Ou seja, em 30% dos casos não existe uma correlação clínica entre o AVC e uma causa evidente (ex: fibrilação atrial, doença aterosclerótica de carótidas ou intracraniana, disfunção ventricular esquerda grave, etc). Em até 40% destes pacientes com AVC criptogênico existe o achado de um forame oval patente (FOP). Na presença do FOP, um trombo formado no sistema venoso pode atravessar o defeito septal, cair na circulação esquerda do coração e ser embolizado para algum ramo arterial. Caso a embolização ocorra para o sistema nervoso, o evento provocado pode ser um AVC isquêmico. Porém, a eficácia de fechar o FOP com uma prótese para evitar a recorrência de AVC nesta população permanece controversa.
Recentemente foi publicada no European Heart Journal uma metanálise que buscou dar mais substrato a essa discussão. Nesta análise, foram incluídos 3440 pacientes de 5 estudos randomizados comparando a oclusão do FOP versus o tratamento medicamentoso na prevenção do AVC criptogênico. O desfecho primário de eficácia foi a recorrência do AVC. O desfecho primário de segurança foi o surgimento de nova fibrilação atrial (fenômeno relativamente comum após o implante desse tipo de prótese). 1829 pacientes foram randomizados para oclusão do FOP, enquanto 1611 receberam apenas o tratamento medicamentoso. Considerando todos os pacientes, a oclusão do FOP foi superior ao tratamento clínico na prevenção do AVC isquêmico (HR: 0,32; IC 95%: 0,13 – 0,82; p=0,018), embora a taxa absoluta de recorrência tenha sido baixa nos dois grupos (0,61% vs 1,17%). O risco de nova FA foi significativamente maior no grupo submetido ao implante do dispositivo ( RR: 4,68; IC 95%: 2,19 – 10,0; p<0,001). A redução da recorrência do AVC foi observada de maneira significativa nos pacientes com grandes shunts direita-esquerda. E não foi observada em pacientes com shunts pequenos. Por fim, não foi observado nenhum efeito quanto à presença ou ausência de septo interatrial aneurismático.
Pelo exposto, a oclusão do forame oval em pacientes com AVC criptogênico pode ser considerada. Principalmente na presença da shunts significativos.
Opinião pessoal:
- Mesmo com o resultado desta metanálise, não é possível indicar de maneira categórica a oclusão do FOP rotineiramente após um AVC supostamente criptogênico. Fatores como intensidade do shunt, por exemplo, podem reforçar a indicação.
- É muito importante ressaltar que parte fundamental da indicação clínica para o procedimento é a adjudicação do evento neurológico. É preciso ter certeza que o sinal/sintoma que o paciente apresentou se deveu a um evento isquêmico cerebral e em topografia compatível com fenômeno embólico. Seja pela evidência do exame clínico, seja pela documentação do insulto por exame de neuroimagem. Sob pena de se indicar um procedimento invasivo baseado na ocorrência de um evento neurológico frustro e sem documentação da isquemia, reduzindo em muito a capacidade de beneficiar o paciente com a terapia proposta.
Nota do editor (Eduardo Lapa): Notar que nesta metanálise, mesmo o resultado sendo positivo, seria necessário tratar-se 179 pacientes de forma invasiva para se prevenir um AVCI novo. Um número pouco convidativo para um procedimento com este custo e que é invasivo.
Referência bibliográfica:
- Ahmad Y, Howard JP, Sen S et al. Patent foramen ovale closure vs. medical therapy for cryptogenic stroke: a meta-analysis of randomized controlled trials. European Heart Journal (2018) 39, 1638–1649.