Faz sentido pedir angiotomografia de coronárias em pacientes de alto risco de coronariopatia?

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Faz sentido pedir angiotomografia de coronárias em pacientes de alto risco de coronariopatia?

Foi publicado nesse mês no Journal of Cardiovascular Computed Tomography (JCCT), um estudo sobre abordagem não habitual do uso da Angiotomografia Coronariana (TCCor) em pacientes com doença arterial coronariana estável (DAC) suspeita ou já estabelecida (clínica ou por exames funcionais, mas com indicação de Cineangiocoronariografia invasiva (CATE).

Atualmente o uso de TCCor apresenta maior efetividade em pacientes de probabilidade clínica intermediária (10 a 70%), medida por escore clínico de Diamond Forrester. Entretanto, há escassez de evidências científicas sobre uso dessa metodologia em pacientes de elevada probabilidade de DAC (>70%).

Sobre o estudo: Foi um trial (denominado CAT-CAD) prospectivo, randomizado e open-label, realizado em um único centro (Polônia) que dividiu 120 pacientes com indicação de CATE em dois grupos 1:1 (CATE direto ou TCCor).

O objetivo primário foi avaliar se o uso da TCCor como primeira linha de investigação anatômica em pacientes com suspeita de DAC significativa poderia reduzir o número de CATEs. Endpoints de segurança clinica foram realizados também para avaliar possíveis diferenças no uso acumulado de contraste iodado e exposição a radiação. Outro desfecho analisado foi a a presença de eventos cardiovasculares entre os grupos em até 3 meses após a intervenção (incluindo morte cardiovascular, IAM, SCA, revascularização não planejada, AVC e hospitalização cardiovascular).

Resultados encontrados: No grupo TCCor o número de pacientes com necessidade de CATE sequencial foi reduzido em 64,4% (21 x 59 com p<0,0001). O número de pacientes com CATE sem necessidade de intervenção coronariana foi reduzido em 88% com a estratégia de triagem por TCCor (5 x 42, p<0,0001). Não houve diferença na média de contraste utilizado (80ml x 90ml, p= 0,099) com uma tendência, porém não estatisticamente significante, a maior exposição a radiação no grupo TCCor (9,9mSv x 9,4mSv, p=0,05). Não houve diferença na incidência de eventos clínicos entre os grupos.

Os autores concluem que a TCCor pode ser uma triagem efetiva antes do CATE nesse perfil de pacientes, podendo reduzir em até 2/3 o número de pacientes com DAC porém sem necessidade de intervenção, reduzindo assim estudos invasivos desnecessários.

Impressão pessoal: Estudos clássicos como o publicado por Patel et al ( 2010), demonstram a insuficiente capacidade de identificar clinicamente por meio de escores ou mesmo com o auxilio de provas funcionais, pacientes com necessidade de intervenção coronariana. Repare que nesse estudo 70% dos pacientes do braço CATE não necessitaram de intervenção, número muito semelhante ao da literatura. Assim a adequada seleção de pacientes que necessitem de procedimentos intervencionistas é fundamental para minimizar a exposições desnecessárias e redução de custos. Nesse sentido os resultados do estudo são relevantes, uma vez que demonstrou-se a capacidade da TCCor de triar pacientes que realmente necessitam de intervenção coronariana invasiva, mesmo num contexto de alta probabilidade clínica (a prevalência de DAC foi de 53% nesse estudo). Houve redução significativa da necessidade/tempo de permanência hospitalar (principalmente durante o diagnóstico), sem diferença significativa na exposição a contraste iodado e radiação. Assim, o uso da TCCOr pode refinar com segurança a seleção dos pacientes que realmente necessitam de intervenção, permitindo o aconselhamento médico e planejamento adequado para o procedimento invasivo, além do potencial teórico de redução de custos a ser testado. Algumas limitações a serem consideradas: o estudo foi realizado em um único centro, com grande volume de TCCor e com equipamentos de geração avançada (tomógrafos Dual Source 2x128 e 2x192) o que pode não refletir a realidade do mundo real; não houve controle na indicação e investigação prévia dos pacientes, realizadas pelos respectivos médicos assistentes; o n é pequeno para a avaliação de desfechos clínicos, embora os autores registrem no artigo que o seguimento será extendido a 36 meses, principalmente para avaliar melhor possíveis diferenças nos desfechos clínicos e endpoints de segurança (radiação e contraste).

Resumindo: A partir de agora deve-se recomendar TCCor de rotina mesmo que o paciente seja de elevada probabilidade para DAC? Não! O estudo entretanto abre uma perspectiva opcional para TCCor nesse contexto clínico, principalmente quando se divide com o paciente a decisão do processo investigativo da doença. Estudos maiores e principalmente de vida real com tomógrafos de gerações inferiores e experiência variável dos centros podem dar uma medida mais precisa do impacto da utilização da TCCor como "gatekeeper" para diagnóstico de DAC em pacientes de elevada probabilidade.

Opinião do editor (Eduardo Lapa): estudo bem interessante e relevante para a prática clínica. Cada vez mais a angiotc de coronárias vem ganhando espaço no manejo de pacientes com DAC crônica, Imaginem esse cenário: homem HAS e DLP, 52 anos, dor típica aos esforços CCS2. Cintilo com esforço físico de risco moderado com isquemia inferior. Otimizada medicação e o paciente fico assintomático. FE normal. E aí? Esse paciente precisa de cate? É o que o estudo ISCHEMIA vai responder. De toda forma, você deve estar em dúvida ainda se pediria ou não o cate, certo? Agora digamos que você faça uma angiotc neste paciente e ela mostre lesão grave de coronária direita, sem outras lesões. Faz sentido mandarmos esse paciente para o cate agora? Considerando que não tem indicação cirúrgica uma vez que é uniarterial e sem acometimento de DA e que angiooplastia no paciente crônica reduz basicamente sintomas, qual o sentido de enviarmos um paciente como este, agora assintomático, para um exame invasivo?

Outro detalhe: em relatos dos pesquisadores do ISCHEMIA já foi revelado que cerca de 20% dos pacientes que foram avaliados para entrar no estudo possuíam angiotc negativa apesar de teste não invasivo de moderado a alto risco. A minha impressão é que como os avanços da angiotc, incluindo o cálculo de FFR pelo método, cada vez mais o cate vai ficar com o papel principal de intervenção e menos de exame diagnóstico.

Referências:

  1. The value of Coronary Artery computed Tomography as the first-line anatomical test for stable patients with indications for invasive angiography due to suspected Coronary Artery Disease: CAT-CAD randomized trial. Rudziński, Piotr Nikodem et al. Journal of Cardiovascular Computed Tomography , Volume 12 , Issue 6 , 472 - 479
  2. Patel MR, Peterson ED, Dai D, et al. Low diagnostic yield of elective coronary angiography. N Engl J Med. 2010;362:886–895.