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Os inibidores da PCSK9 finalmente mostraram do que são capazes?
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
11/3/2018
Os inibidores da PCSK9 vem sendo considerados há anos a provável próxima grande inovação no campo da cardiologia. Apesar do trial FOURIER publicado em 2017 ter mostrado resultados favoráveis em relação à diminuição de eventos em pacientes com coronariopatia crônica, não foi observado impacto sobre a mortalidade. Será que o uso desta classe de medicações em pacientes de altíssimo risco, pouco tempo após uma síndrome coronariana aguda (SCA), poderia finalmente revelar uma redução de mortalidade? Para responder a esta pergunta, foi desenvolvido o trial ODISSEY outcomes, cujos resultados foram publicados no congresso do ACC.
Pergunta principal do trabalho:
- O uso do inibidor de PCSK9 alirocumab é capaz de reduzir eventos cardiovasculares (morte geral + iam não fatal + avc não fatal) em pacientes que tiveram SCA nos últimos meses e que apresentam perfil lipídico não ideal mesmo após o uso de estatinas em doses altas?
Detalhes metodológicos
- Ensaio clínico, randomizado, multicêntrico, placebo controlado.
- Foram incluídos pacientes com as seguintes características:
- idade ≥ 40 anos
- SCA (ou IAM ou angina instável) que tenha acontecido há mais de 1 mês
- Uso de estatinas em doses altas (rosuva 20-40 mg/d ou atorva 40-80 mg/d) ou intolerância documentada a estatinas
- Controle inadequado do perfil lipídico apesar do uso do item 3 (LDL ≥ 70 ou colesterol não-LDL ≥ 100 ou apolipoproteína B ≥80)
- Entre os principais critérios de exclusão estavam: FE <25%, TG >400, ClCr < 30 mL/min, gestação e aumento ≥3x de transaminases ou de CK.
- Endpoint primário: o bom e velho MACE (major cardiac adverse events = morte por DAC, IAM/angina instável não fatal e AVC não fatal)
- Endpoints secundários: entre eles, estava mortalidade geral.
- Foram randomizados 18.924 pctes. Metade dos pacientes ia para o grupo placebo e a outra metade para o grupo alirocumab. Este era feito de forma subcutânea a cada 2 semanas. A dose inicial era de 75 mg almejando-se atingir níveis de LDL entre 25 e 50 mg/dL. Caso estas concentrações não fossem atingidas com a dose inicial, aumentava-se a titulação para 150 mg/dose.
- Follow-up médio foi de 2,8 anos.
Resultado
- Resposta à pergunta principal: houve diminuição de eventos cardíacos maiores com o uso do alirocumab (de 11,1% para 9,5%).
- IMPORTANTE: houve redução de mortalidade geral de 4,1% para 3,5%.
- Os benefícios da nova medicação foram mais proeminentes em pacientes com LDL basal acima de 100. Enquanto que no grupo geral a diferença absoluta de mortalidade foi de 0,6%, no grupo com LDL acima de 100 o efeito foi de 1,7%, quase o triplo.
- Os eventos adversos do alirocumab foram raros e pouco relevantes. O mais comum foi hiperemia no local da injeção subcutânea (3,8% x 2,1%)
Opiniões pessoais:
- Estudo importante, com capacidade de mudar guidelines. Mas, será que os inibidores da PCSK9 de fato serão a "nova estatina" da cardiologia? Vamos levar alguns pontos em consideração:
- Mais do que dizer que um estudo foi positivo ou negativo, imprimindo assim um caráter dicotômico a nossa avaliação, é sempre interessante avaliarmos os detalhes envolvidos. O fato do trial ter mostrado diferença de mortalidade certamente é relevante. A última medicação que mostrou redução de mortalidade em um trial de pacientes com síndrome coronariana aguda foi o ticagrelor no estudo PLATO. Isso foi em 2009, quase 10 anos atrás. OK. Então certamente um ponto a favor do ODISSEY.
- Mas essa diferença de mortalidade foi expressiva? Ao avaliarmos o grupo geral do estudo, vemos que é necessário tratar-se 167 pacientes similares ao do trial para reduzir-se uma morte. Se lembrarmos deste texto, podemos ver que este efeito é de pequena monta.
- Mas espera um momento. Estamos falando de diminuição de mortalidade e de uma droga com pouquíssimos efeitos colaterais. Não parece que o risco x benefício é claramente a favor de usá-la? De fato o perfil de segurança desta droga assim como dos outros inibidores da PCSK9 é bastante favorável. Tirando a questão da hiperemia local (efeito adverso bem irrelevante na prática clínica) não parece haver grandes pontos negativos em usar a droga do ponto de vista clínico.
- A grande questão aqui é o custo da medicação. O preço mensal do tratamento com a posologia de 75 mg varia de 1.300 a 2.500 reais, a depender da farmácia consultada. Obviamente uma medicação com este custo tem uma importantíssima limitação ao seu uso na prática. Mesmo que este custo fosse reduzido em 3 ou 5x, ainda assim seria um custo proibitivo para a maior parte da população.
- Mas e aí? Como transpor os resultados do trial para minha prática de consultório? Vejamos 2 casos diferentes que podem ajudar neste objetivo:
- Caso 1: paciente de 52 anos, executivo de uma grande multinacional com salário de 20.000 reais por mês chega ao seu consultório após ter sofrido IAM sem supra de ST há 2 meses. Já está em uso do pacote completo para DAC (aas, rosuva 40 mg.d, etc). Traz lab que mostra LDL de 110 mg/dL apesar do uso de rosuva já há 7 semanas.
- Caso 2: paciente de 60 anos, renda familiar de 1 salário mínimo, vem no seu ambulatório do SUS após ter tido angina instável há 1 mês. Com o uso de atorvastatina 40 mg.d que vem comprando com dificuldade, tem LDL de 71 mg/dL.
- O aspecto financeiro não precisa nem ser enaltecido já que fica muito óbvio que o paciente do segundo caso não possui nenhuma condição de arcar com os custos da medicação. Mas, além disso, se formos ver de forma objetiva, provavelmente os benefícios do alirocumab para este paciente especificamente seriam muito pequenos. Para isso podemos usar os resultados das análises de subgrupo do trial para refinar as indicações da medicação. Mas como assim? Análise de subgrupo serve de alguma coisa? Sim, servem. Quando um trial é positivo (caso do ODISSEY), a avaliação dos subgrupos pode nos ajudar bastante em definir pctes que se beneficiam mais ou menos do tratamento. Como dito na parte de resultados, pctes com LDL acima de 100 apesar do uso de estatina tiveram um benefício bem superior com o uso do alirocumab. Neste subgrupo, o NNT para se prevenir uma morte caiu de 167 para 59. NNT de 59 já tem uma repercussão clínica moderada. Ou seja, o paciente do caso 1 além de ter condições de pagar o tratamento tem muito mais probabilidade científica de se beneficiar do mesmo.
- Mais alguma observação interessante do estudo? Sim! Vejam que os resultados do estudo fortificam a questão de se almejar metas de LDL no paciente com dislipidemia. Como comentamos no passado, a diretriz americana de dislipidemias de 2013 havia acabado com esta história de metas. De fato na época a evidência que guiava isto era escassa. Os próprios americanos posteriormente voltaram atrás nessa história como vocês podem ver neste post. O atual estudo corrobora que sim, devemos objetivar metas de LDL no paciente com SCA e dislipidemia. Isto por 2 motivos: o próprio critério de inclusão do estudo era de colocar apenas pctes com perfil lipídico considerado não otimizado com estatinas. Em segundo lugar, a análise de subgrupo que citamos no item anterior também mostra que pctes com LDL mais elevado tiveram resultados bem mais favoráveis que o grupo geral (lembrar que o LDL médio dos pctes randomizados era de 87 mg/dL). Ah, mais isso deve ter ocorrido pelo fato de que pacientes com LDL maior sofrem mais eventos, certo? Não só por isso. Enquanto que a redução proporcional de eventos no estudo geral foi de cerca de 15%, no grupo com LDL maior isto aumentou para 24%.
Resumo da ópera:
- O trial ODISSEY outcomes mostrou que o uso de alirocumab em pacientes pós-SCA e com perfil lipídico não controlado com o uso de altas de doses de estatina reduziu eventos cardiovasculares, incluindo mortalidade geral. O uso dos inibidores da PCSK9, contudo, ainda tem como principal entrave os altos custos envolvidos.