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Vale a pena fazer revascularização cirúrgica em pacientes com miocardiopatia isquêmica grave?
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
9/4/2016
Na última semana foi apresentado no congresso do ACC e publicado simultaneamente na New England o seguimento de longo prazo do trial STICH. Dentro desse contexto, até a realização deste estudo não havia evidência conclusiva sobre o papel da cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) em pacientes com miocardiopatia isquêmica e disfunção ventricular relevante (fração de ejeção abaixo de 35%).
Tal questionamento é de extrema relevância já que a coronariopatia é a principal causa de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida e possui alta mortalidade no seguimento de médio/longo prazo o que nos faz tentar otimizar ao máximo o tratamento destes pacientes.
Pergunta principal: Perante um paciente com miocardiopatia de causa isquêmica, lesões coronarianas multiarteriais e com FE<35%, a realização de CRM traz algum benefício de redução de mortalidade?
Principais critérios de inclusão e exclusão: para entrar no estudo o paciente precisava apresentar doença arterial coronária multivascular que fosse possível de ser tratada por CRM e ter uma FE igual ou inferior a 35%. Pacientes com lesão de tronco superior a 50% ou com angina classe funcional 3 ou 4 eram excluídos. Por que motivo? Lesão de tronco importante e angina limitante no contexto de coronariopatia multiarterial são indicações clássicas de CRM. Desta forma, não seria ético incluir tais pacientes no estudo.
Detalhes técnicos: os pacientes que preenchiam os critérios de inclusão eram randomizados de forma aleatória para dois grupos:
1- tratamento clínico otimizado (incluindo medicações, ressincornizador, CDI, etc)
2- tratamento clínico otimizado + CRM
Para que um cirurgião pudesse participar do estudo ele precisava mostrar mortalidade inferior a 5% em casos similares aos dos pacientes do estudo. Colocar cirurgiões com resultado ruim em casos similares obviamente tenderia a diminuir um possível benefício da CRM neste grupo de pacientes.
Endpoint primário: mortalidade geral. Trata-se do melhor parâmetro em cardiologia já que é o mais relevante e objetivo. Quando o trial avalia mortalidade cardiovascular, por exemplo, pode-se ficar em dúvida se determinado caso teve como causa uma complicação cardiovascular ou de outra etiologia. Exemplo: paciente em pós-operatório recente de cirurgia cardíaca começa com dispneia súbita importante e morre antes de chegar ao hospital. Será que teve um novo infarto? Será que foi uma embolia pulmonar? Poderia ser um tamponamento cardíaco? Nem sempre é fácil definir.
Principais pontos dos resultados: um total de 1.212 pacientes foram avaliados durante período médio de 9,8 anos. A mortalidade geral foi reduzida no grupo da CRM (58,9% x 66,1%). Isso significa que a cada 14 pacientes tratados com CRM foi prevenida uma morte durante o período de seguimento do trial.
Houve também diminuição de morte por causas cardiovasculares e de internações por insuficiência cardíaca (IC) no grupo da CRM.
Opiniões pessoais:
- O trial mostra o quão grave é a insuficiência cardíaca com disfunção ventricular significativa a longo prazo. Independentemente da estratégia utilizada, a mortalidade foi extremamente elevada ao longo de 10 anos de seguimento.
- O trial mostrou nítida vantagem da estratégia invasiva (CRM) x a conservadora (apenas tratamento clínico). Como o número necessário para tratar foi de 14 pacientes para reduzir uma morte, a magnitude do benefício pode ser considerada significante. Para revisar o que é NNT, acessem este excelente post.
- OK. Então basicamente vou indicar CRM para todos os pacientes que encontrar que preencham os critérios de inclusão do trial, correto? Na verdade, não é tão simples. Por exemplo: os cirurgiões envolvidos no trial possuíam índice de mortalidade operatória <5% em casos similares aos randomizados. No trial propriamente dito, a mortalidade operatória foi de 3,6%, bastante baixa para este perfil de paciente. Caso você esteja em um serviço em que a mortalidade cirúrgica de pacientes que vão para CRM seja 2 ou 3x maior do que o que foi observado no trial, os resultados positivos da CRM a longo prazo serão diminuídos ou, possivelmente, anulados. Da mesma forma, mesmo que o cirurgião tenha resultados similares ao do trial, uma coisa é operar um paciente de 50 anos com função renal normal, sem outras comorbidades como doença pulmonar ou doença arterial periférica e que tenha bom status clínico. Outra situação é operar uma senhora de 81 anos com obesidade grau 2, passado de AVC e com Cr de 1,9 mg/dL. Obviamente a mortalidade esperada para o primeiro caso é significativamente menor do que para o segundo e, assim, maior a chance de sair da cirurgia bem e sem sequelas. Enfim, recomenda-se lançar mão do Heart Team (equipe de cardiologista clínico + cirurgião + hemodinamicista) para decidir qual a melhor abordagem para um paciente em particular em um determinado serviço.
Referências: