Uso da semaglutida por pacientes com Transtorno Mental Grave

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Analise o caso clínico abaixo:

Mulher, 27 anos, em acompanhamento com médico psiquiatra há 08 anos por esquizofrenia. A mãe relata que a paciente apresentou ganho de peso progressivo nos últimos anos, atualmente com IMC 36,2 kg/m2. Exames laboratoriais evidenciam presença de pré-diabetes (HbA1c 6,2%).

Pergunta: Você indicaria semaglutida para essa paciente?

Não é novidade que pessoas com transtornos mentais graves (TMG) apresentam taxas extremamente elevadas de comorbidades metabólicas. Aproximadamente 75% desses pacientes enfrentam sobrepeso ou obesidade, e a prevalência de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é significativamente maior em comparação à população em geral. Como resultado, indivíduos com TMG possuem um risco aumentado de mortalidade cardiovascular.    

Os antipsicóticos são fundamentais no tratamento de pacientes com TMG e são amplamente utilizados para outras condições psiquiátricas. Embora diversos fatores, como risco biológico inerente, estilo de vida e falta de acesso a cuidados médicos, contribuam para as altas taxas de comorbidades metabólicas, o uso de antipsicóticos (tanto entre classes quanto entre agentes individuais) está claramente associado a efeitos adversos metabólicos graves, incluindo ganho de peso, dislipidemia e aumento do risco de diabetes.    

A semaglutida, um agonista do receptor de GLP-1 aprovado para o tratamento da obesidade, está sendo estudada em populações com TMG em diversos ensaios clínicos em andamento ao redor do mundo. Embora os resultados desses estudos ainda não estejam disponíveis, uma série de casos (N = 12) já foi publicada, demonstrando evidências preliminares de segurança e eficácia da semaglutida na perda de peso (média de 8,7% de perda de peso em 12 meses) em pessoas com transtornos mentais que fazem uso de antipsicóticos. A promessa de uma perda de peso substancial e redução no risco cardiovascular posiciona a semaglutida como um potencial divisor de águas para uma população altamente vulnerável a resultados cardiovasculares adversos.    

Entretanto, o otimismo deve ser acompanhado de cautela. Diversos ensaios clínicos mostraram que a semaglutida é segura e bem tolerada na população geral, com sintomas gastrointestinais leves a moderados sendo os efeitos adversos mais comuns. No entanto, relatos preliminares de outros efeitos adversos potencialmente sérios, como suicídio e gastroparesia, além de desafios relacionados à acessibilidade e disponibilidade para tratamento a longo prazo, têm sido levantados como preocupações, especialmente em populações com transtornos psiquiátricos.    

As evidências sobre o risco de suicídio associado ao uso de semaglutida ainda são preliminares e contraditórias. Houve relatos de usuários, o que levou a investigações na Europa e em outros lugares do mundo. No entanto, um estudo com uma coorte de 240.618 pacientes com sobrepeso ou obesidade e 1.589.855 pacientes com DM2 que receberam prescrição de semaglutida ou outros medicamentos não pertencentes à classe GLP-1 RA indicou um menor risco de ideação suicida incidente e recorrente em ambas as coortes que utilizaram semaglutida.    

O aumento do risco de sintomas gastrointestinais, como a constipação, também deve ser considerado. Recomenda-se cautela ao coadministrar semaglutida com outros medicamentos que induzem constipação, como a clozapina.    

O uso da semaglutida e medicamentos similares é o resultado de décadas de pesquisa sobre diabetes e obesidade, e sua introdução já causou uma transformação significativa no tratamento desses distúrbios na população em geral. Indivíduos com TMG formam um grupo que pode se beneficiar de maneira substancial desses avanços, devido ao alto risco de disfunção metabólica associada ao uso de antipsicóticos e à falta de outras estratégias eficazes. A melhoria da saúde física desses pacientes pode ser um passo crucial para um tratamento mais holístico e eficaz da sua saúde mental, contribuindo para uma melhor qualidade de vida.

Referências:

Agarwal SM, Hahn M. Semaglutide in Psychiatry—Opportunities and Challenges. JAMA Psychiatry. Published online August 21, 2024. doi:10.1001/jamapsychiatry.2024.2412

WangW,VolkowND,BergerNA,DavisPB,Kaelber DC, Xu R. Association of semaglutide withrisk of suicidal ideation in a real-world cohort. NatMed. 2024;30(1):168-176. doi:10.1038/s41591-023-02672-2