Trombo no VE: e agora?

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Trombo no VE: e agora?

Uma situação que encontramos na prática clínica é o achado de trombo no VE (ventrículo esquerdo). Tal situação pode ocorrer tanto em pacientes com miocardiopatia isquêmica (sobretudo no infarto agudo do miocárdio [IAM]), como também nas miocardiopatias de outras etiologias (com destaque para miocárdio não-compactado, miocardiopatia periparto e doença de Chagas). A presença de trombo no VE, embora muitas vezes seja achado incidental em exame de imagem, acrescenta uma nova complexidade ao tratamento de tais pacientes, em virtude do risco de eventos cardio-embólicos, como acidente vascular cerebral (AVC). Uma revisão recente publicada no periódico Circulation traz alguns esclarecimentos. Segue um resumo dos principais pontos:

  • O achado de trombo no VE pode ocorrer em 4 a 40% dos pacientes com IAM, e em 2 a 36% dos pacientes com miocardiopatia não isquêmica, dependendo do método de imagem utilizado, da fase do IAM e da etiologia da miocardiopatia;
  • O melhor método diagnóstico é a ressonância magnética cardíaca (RMC), seguido pelo ecocardiograma contrastado com microbolhas (Figura 1);
  • A presença de trombo no VE se associa a um aumento de 5,5 vezes no risco de AVC e outros eventos cardioembólicos, com uma estimativa de risco anual ao redor de 10-15%;
  • Não existe um consenso sobre a prevenção de trombo no VE após um IAM, mas as diretrizes recomendam anticoagulação plena como classe IIb por 1 a 3 meses em pacientes com acinesia/discinesia de parede anterior;
  • Em pacientes com miocardiopatia não isquêmica de algumas etiologias, como miocárdio não compactado, miocardiopatia chagásica e miocardiopatia dilatada periparto, a anticoagulação plena pode ser considerada de modo preventivo naqueles com FEVE < 35% ou grandes áreas de acinesia/discinesia, por tempo indeterminado até que a disfunção do VE se resolva;
  • Em pacientes com trombo diagnosticado, um curso de 3-6 meses de anticoagulação oral é recomendado (classe IIa), seguido de novo exame de imagem a fim de se pesquisar se houve resolução ou não do trombo do VE, e se a FEVE se recuperou no caso das miocardiopatias não-isquêmicas;
  • Não existe consenso sobre o tipo de anticoagulante, mas os DOACs (direct acting oral anticoagulants; anticoagulantes orais de ação direta) podem ser utilizados como alternativa à varfarina;
  • Nos pacientes com trombo do VE pós IAM, o uso de anticoagulantes deve ser contrabalanceado com a necessidade de terapia antiplaquetária nestes pacientes, sendo sugerido, baseado em extrapolações dos estudos com fibrilação atrial, o uso de dupla terapia com inibidor de ADP (preferencialmente o clopidogrel) combinado a um DOAC, sendo a aspirina mantida por curto tempo (1-4 semanas) apenas em casos selecionados;
  • Em pacientes que persistem com o trombo no VE apesar da anticoagulação, a continuação ou não do anticoagulante deve ser ponderada em relação ao risco de embolização (por exemplo, trombo móvel versus trombo mural) e risco de sangramento, numa decisão clínica compartilhada;
  • Não se sabe o papel de tratamentos como a fibrinólise e a exérese cirúrgica no trombo de VE, de modo que tais tratamentos não devem ser recomendados, exceto em casos de extrema exceção (por exemplo, trombos gigantes com obstrução à ejeção do VE).

Figura 1. Ressonância magnética de paciente com miocardiopatia isquêmica (perceba o realce transmural na parede anterior) e trombo apical no VE (setas). Cortesia do Dr. Alexandre VolneyVale lembrar que as recomendações acima são na maioria baseadas em opiniões de especialistas, séries de casos e estudos de coorte retrospectivos, de tal maneira que as evidências científicas são muito pobres ainda sobre este tema. Novos estudos devem esclarecer sobre o prognóstico, diagnóstico e manejo clínico adequado de pacientes com trombo no VE. A figura 2 traz um algoritmo sugerido para o manejo de pacientes com trombo no VE.

Figura 2. Algoritmo proposto para condução de pacientes com achado de trombo no VE.REFERÊNCIAS