Compartilhe
Trombo em ventrículo esquerdo após IAM: tudo o que você precisa saber!
Escrito por
Jefferson Vieira
Publicado em
10/5/2022
A incidência de trombos no ventrículo esquerdo (VE) após infarto agudo do miocárdio (IAM) diminuiu nas últimas décadas devido aos avanços nas técnicas de reperfusão e terapias antitrombóticas. Apesar disso, eventos tromboembólicos podem ser devastadores. Recentemente, o grupo do Dr.Valentin Fuster publicou no JACC uma revisão e um algoritmo interessante para o diagnóstico e manejo de trombo no VE, que vamos resumir a seguir.
Quão frequentes são os trombos em ventrículo esquerdo após IAM?
A incidência de trombo no ventrículo esquerdo após IAM de parede anterior caiu de 60% na era pré-trombolítica para aproximadamente 10% na era da intervenção coronária percutânea (ICP) primária. Pacientes com trombo no VE, sobretudo aqueles com insuficiência cardíaca (IC), apresentam altas taxas de morte por todas as causas (19%), eventos cardiovasculares adversos (37%) e complicações embólicas (22%), além dos eventos de sangramento maior (13%) associados a terapia anticoagulante. Pacientes submetidos a ICP com outra indicação de anticoagulação oral (por fibrilação atrial [FA] ou prótese mecânica) exibem maior risco de sangramento devido a terapia antitrombótica tripla composta por anticoagulantes orais e terapia antiplaquetária dupla (DAPT).
Por que pode surgir trombo em ventrículo esquerdo após IAM?
O surgimento do trombo do ventrículo esquerdo depende da tríade de Virchow, incluindo lesão endotelial do IAM, estase sanguínea da IC e hipercoagulabilidade da inflamação pós-IAM, com cada um desses elementos representando potenciais alvos terapêuticos. O estado de hipercoagulabilidade pós-IAM parece persistir por até 6 meses – de fato, é provável que o trombo se resolva em >50% dos pacientes em 6 meses após o IAM; para aqueles sem resolução do trombo além desse período, o trombo mural fibrosado e endotelializado pode desempenhar um papel benéfico ao limitar a expansão do infarto, reduzindo o estresse da parede, limitando o desenvolvimento do aneurisma e restaurando a espessura parcial do miocárdio. Os principais fatores de risco para a embolização são a mobilidade e protusão do trombo. Assim, características físicas do trombo (incluindo tamanho, forma [séssil ou saliente], mobilidade e cronicidade) influenciam suas consequências.
Como fazer o diagnóstico?
A ressonância magnética cardíaca (RMC) continua sendo a modalidade de imagem ideal para o diagnóstico e avaliação do trombo do VE, com sensibilidade de 82-88% e especificidade próxima de 100%. No entanto, o ecocardiograma transtorácico (ETT) é a modalidade de imagem mais utilizada para diagnosticar trombo de VE após IAM, devido a sua ampla disponibilidade e acessibilidade em relação à RMC. O ETT tem especificidade de 95-98%, mas sensibilidade relativamente baixa (21-35%), sugerindo que muitos trombos do VE podem não ser identificados pelo ETT (falso negativos). A adição de um agente de contraste à base de microbolhas melhora a especificidade (99%) e a sensibilidade (64%) do ETT, particularmente em pacientes com IAM anterior. O melhor momento para realizar o ETT após o IAM é alvo de debate, mas parece ser algo entre 8 e 15 dias após o evento agudo.
Como prevenir e tratar o trombo em ventrículo esquerdo após IAM?
Nenhum estudo randomizado avaliou o papel da anticoagulação na prevenção de trombos no VE na era da ICP. De modo geral, em pacientes com IAM que receberam terapia trombolítica e aspirina, parece haver redução no risco de formação de trombo no VE com anticoagulação, mas às custas de mais sangramento. No ATLAS ACS 2–TIMI 51, a combinação de rivaroxabana (2,5 ou 5 mg 2x/dia) com DAPT após síndrome coronariana aguda reduziu de 10,7% para 8,9% o risco composto de morte cardiovascular, IAM ou acidente vascular cerebral (AVC) (NNT 56), mas com aumento no risco de sangramento maior de 0,6% para 2,1% (NNH 67) em comparação com placebo.
Estudos observacionais comparando a eficácia de antagonistas da vitamina K (AVKs) contra anticoagulantes orais de ação direta (DOACs) no tratamento de trombo de VE apresentaram resultados conflitantes e questionáveis, com aparente maior risco de AVC ou embolia sistêmica com uso de DOACs. Ensaios randomizados de ICP em pacientes com FA e sem trombo no ETT demonstraram melhor segurança com DOACs (em vez de AVKs) combinados com terapia antiplaquetária única (sem aspirina); no entanto, pacientes com trombo no VE após IAM não foram avaliados.
No estudo No-LVT, 79 pacientes com trombo de VE diagnosticado por ETT em 5 centros no Egito e Bulgária foram randomizados para rivaroxabana (20mg 1x/dia) ou varfarina de forma não cega. A rivaroxabana foi não-inferior, mas apresentou resolução mais rápida do trombo em comparação com a varfarina no primeiro mês de tratamento. Sangramento maior ocorreu em 5% no grupo rivaroxabana e 15% no grupo varfarina, mas a diferença não foi estatisticamente significativa; 75% dos eventos hemorrágicos ocorreram em pacientes que recebiam DAPT concomitantemente.
O que dizem as diretrizes?
As diretrizes de IAM com elevação de ST (IAMEST) da ACC/AHA de 2013 recomendam 3 meses de terapia com AVK para pacientes com IAMEST e trombo mural no VE assintomático, com INR alvo de 2-2,5 ao combinar AVK com DAPT (Classe 2a, C). As diretrizes de AVC da AHA/American Stroke Association de 2014 recomendam 3 meses de AVK em pacientes com AVC isquêmico ou AIT no cenário de IAM complicado por trombo mural do VE, com INR alvo de 2-3 (Classe 1, C). As diretrizes de IAMEST da ESC de 2017 recomendam que a decisão do anticoagulante seja tomada com base no risco de sangramento e na necessidade de terapia antiplaquetária concomitante, enquanto as diretrizes do ACCP recomendam AVK além de DAPT por 3-6 meses para pacientes com IAM anterior e trombo no VE (Grau 2C). De modo geral, essas diretrizes recomendam que um AVK possa ser considerado como terapia profilática por 3 meses em pacientes com IAMEST ou AVC/AIT que tenham alto risco de trombo de VE (ou seja, FEVE <40% e acinesia ou discinesia da parede apical anterior) (Classe 2b, C).
ALGORITMO PROPOSTO PELO JACC (FIGURA):
Todos os pacientes com IAM devem ser submetidos a ETT com contraste pelo menos 24 horas após a admissão. Em pacientes com infartos maiores, anormalidades do movimento da parede ântero-apical e FEVE reduzida após IAMEST anterior, um ETT com contraste deve ser realizado dentro de 72 horas após a ICP. Na ausência de trombo no VE, a DAPT deve ser continuada e o ETT repetido 1 a 2 semanas após o IAM.
Se for identificado trombo, um regime antitrombótico com inibidor de P2Y12 e AVK (com ponte de heparina para um INR alvo de 2-3 ou 2-2,5 se DAPT concomitante) é recomendado, com novo ETT em 3 meses. Se o paciente não tolerar a terapia com AVK, um DOAC deve ser considerado.
A anticoagulação pode ser interrompida e a terapia antiplaquetária retomada se o novo ETT de 3 meses não demonstrar trombo residual e a função do VE tiver melhorado. Uma vez que o anticoagulante tenha sido descontinuado, um novo ETT deve ser realizado 3 meses para excluir a recorrência do trombo.