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Toxicidade pulmonar por amiodarona: quando pensar?
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
12/10/2016
Texto enviado pelo Dr Fred Lapa.
Amiodarona é um anti-arrítmico extremamente efetivo, agindo tanto na despolarização como na repolarização miocárdica. Age primariamente bloqueando os canais de K+, mas também atua nos de Na+ e Ca++ e nos receptores β e α-adrenérgico.
O uso clínico aprovado da droga é para arritmias ventriculares refratárias, devido a seus efeitos adversos que variam de leves a potencialmente fatais. Em baixas doses (200 – 300 mg/dia), o fármaco tem sido ministrado com certa segurança e efetividade nas arritmias atriais, como FA ou flutter. Mesmo com doses menores há efeitos adversos, particularmente tireoidianos, pulmonares, neurológicos, cutâneos, oculares e eventos bradicárdicos, já que se trata de uma droga de efeito cumulativo nos tecidos quando em uso crônico.
Estima-se que a prevalência de efeitos colaterais atinge até 15% no primeiro ano, chegando a 50% com terapia a longo prazo. Por outro lado a necessidade de interromper amiodarona por efeitos adversos sérios está em torno de 20%.
Abordaremos neste post os potenciais efeitos adversos da medicação nos pulmões.
DOENÇA PULMONAR – toxicidade pulmonar é responsável pela maioria das mortes associadas a amiodarona. Esse efeito adverso ocorre geralmente após vários meses ou mesmo vários anos do início da droga. Estudos anteriores mostravam que em doses ≥ 400 mg/dia a incidência era de 5 – 15 %. Com doses menores relatava-se incidência menor. Meta-análise de 4 estudos randomizados com 1465 pacientes em que se usou doses entre 150 – 330 mg/dia em pacientes com IC ou pós-IAM comparadas com placebo por um mínimo de 1 ano, mostrou que houve uma tendência não significativa a um aumento da incidência de toxicidade pulmonar com amiodarona (1,9 versus 0,7%, OR 2,2, 95% de IC 0,4 – 5,3).
Pneumonite intersticial crônica é a toxicidade mais comum. Um achado característico em todos os pacientes expostos à droga é a presença de numerosos macrófagos espumosos (foamy) nos espaços aéreos. Tais células são preenchidas com complexos amiodarona-fosfolípides.
Quadro clínico – tosse não produtiva e dispneia ocorrem entre 50 e 75% dos indivíduos afetados ao surgir. Dor pleurítica, perda de peso, febre e mal estar pode também ocorrer. Ausculta pulmonar geralmente revela estertores inspiratórios bilateralmente.
Estudos de função pulmonar seriados infelizmente não são úteis para predizer toxicidade.
O diagnóstico de toxicidade pulmonar por amiodarona é de exclusão. O diagnóstico diferencial é com insuficiência cardíaca (IC), pneumonia infecciosa, embolia pulmonar e malignidade.
Dica: quando suspeitar de toxicidade pulmonar por amiodarona?
O macete é avaliar se a doença cardíaca justifica ou não a dispneia do paciente. Caso não pareça justificar, considerar pneumopatia por amiodarona.
Exemplo prático: paciente com miocardiopatia isquêmica, FE 33%, usa amiodarona devido a episódios de FA paroxística. Em vigência de tratamento otimizado para IC vem em CF 1 há vários meses. BNP que no início do tratamento era bastante aumentado segue sempre nos limites da normalidade. Peso do paciente antes de iniciar tto clínico era de 84 kg e após otimização terapêutica permanece ao redor de 77-78 Kg, sem modificação significativa nos últimos meses. Pcte então passa a reportar dispneia aos pequenos/moderados esforços. Repetido eco tt - mesmos parâmetros de 1 ano atrás, inclusive com relação E/E' de 7 (quando menor que 8 sugere pressões de enchimento de VE normais). Resumindo, tudo leva a crer que a dispneia não é da cardiopatia. Função diastólica não teve piora, o paciente não ganhou peso (um dos sinais mais precoces de descompensação da IC), o BNP persiste baixo. Neste caso, é interessante investigar-se a presença de toxicidade pulmonar por amiodarona.
Como fazer esta investigação de forma mais detalhada? Veremos em outro post.
Referência:
Giardina EG, Zimetbaum PJ. Major side effects of amiodarona. Uptodate.