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Tirzepatida na insuficiencia cardíaca: o estudo SUMMIT
Escrito por
Luciano Albuquerque
Publicado em
19/11/2024
A maioria dos pacientes com insuficiência cardíaca de fração de ejeção preservada (ICFEP) apresenta obesidade. Particularmente, a adiposidade visceral desempenha um papel crucial na evolução e progressão dessa condição. O aumento da massa de adipócitos gera mudança no padrão de secreção de adipocinas, com consequente estado de inflamação sistêmica. Esse processo quando instalado na gordura epicárdica, com modificação pró-inflamatória deste tecido, pode impactar diretamente a função cardíaca.
Estudos mostram que o risco de insuficiência cardíaca (especialmente com fração de ejeção preservada) aumenta proporcionalmente ao índice de massa corporal (IMC). Estratégias de perda de peso, como a cirurgia bariátrica e o uso de agonistas do receptor de GLP-1, têm se mostrado eficazes na redução da inflamação sistêmica, na diminuição do volume de tecido adiposo epicárdico e na mitigação do risco de desenvolvimento de insuficiência cardíaca. Além disso, essas intervenções ajudam a aliviar os sintomas em pacientes que já convivem com a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada. Entretanto, os dados sobre o impacto dessas estratégias sobre desfechos de internação e agravamento da IC e morte cardiovascular ainda não tinham sido adequadamente explorados.
Nesse cenário, recebemos o resultado do estudo SUMMIT que avaliou pacientes com ICFEP e IMC ≥ 30kg/m2 para tirzepatida ou placebo. O estudo avaliou dois desfechos primários: um composto de morte cardiovascular ou agravamento de IC (hospitalizacão, ou incremento de diuréticos por sintomas de IC), o outro foi a mudança na pontuação do questionario KCCQ-CSS que avalia sintomas de IC e qualidade de vida. Além desses, foram avaliados parâmetros como redução de peso corporal, teste de caminhada, PCR e NT-proBNP.
Um total de 731 pacientes foram acompanhados por 104 semanas. A tirzepatida reduziu o desfecho primário de morte por causas cardiovasculares ou um agravamento de IC em 38%; o resultado foi relacionado principalmente a redução dos eventos de IC (46%). A tirzepatida também levou a maior redução na pontuação do KCCQ-CSS, na PCR e no peso corporal (-13,9%) alem de melhora no teste de caminhada. Eventos adversos (principalmente gastrointestinais) que levaram à descontinuação do medicamento ocorreram em 23 pacientes (6,3%) no grupo tirzepatida e em 5 pacientes (1,4%) no grupo placebo.
Os efeitos da tirzepatida estão provavelmente relacionados com a sua capacidade de reduzir a massa gorda, diminuindo assim a resultante expansão do volume plasmático e a resposta inflamatória que parecem estar subjacentes à patogênese da ICFEP nessa população. Independentemente da perda de peso, o agonismo dos receptores GLP-1 pode reverter as características biológicas pró-inflamatórias dos adipócitos, reduzindo danos microvasculares e fibrose. Os receptores GIP são abundantes na gordura epicárdica, sugerindo uma contribuição adicional do coagonismo GLP1/GIP na redução da inflamação no tecido cardíaco adjacente.
Os resultados ampliam os anteriormente alcançados com a semaglutida no estudo STEP HFPEF (que mostrou beneficio sintomático mas não avaliou agravamento de IC ou morte), fortalecendo a indicação de terapias incretinicas no tratamento de pacientes com ICFEP associada a obesidade.