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Tempo é músculo: agilidade na reperfusão no IAM com supra
Escrito por
Remo Holanda
Publicado em
7/12/2022
A famosa frase “tempo é músculo” é um mote muito conhecido em cardiologia e traduz a importância da agilidade na reperfusão do infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de segmento ST (IAMCSST). Sabendo desse princípio norteador, os sistemas de saúde devem empreender todos os esforços necessários para evitar atrasos no tempo porta-balão (ou seja, entre a chegada ao hospital e recanalização da artéria culpada pela angioplastia) e tempo primeiro contato-balão (ou seja, da chegada do serviço extra-hospitalar até a abertura do vaso). Entretanto, como estariam estes tempos na vida real, e principalmente, como a pandemia da COVID-19 influenciou tais métricas?
Este foi motivo de investigação de um artigo publicado por Jollis e cols. no periódico JAMA (Journal of the American Medical Association). Neste artigo, os autores analisaram dados do registro norte-americano Get With The Guidelines–Coronary Artery Disease incluindo cerca de 114 mil pacientes admitidos com IAMCSST entre 2018 e 2021. A idade mediana foi de 63 anos, 71% dos pacientes eram homens e 75% eram brancos. Durante o período de observação, 84,6 % dos pacientes foram tratados com angioplastia primária, 4,5% com fibrinólise e o restante não recebeu terapia de reperfusão. O tempo mediano porta-balão ou primeiro contato-balão se situou ao redor de 100 minutos, sendo menor nos pacientes que procuraram o serviço de emergência direto por meios próprios em hospitais com serviço de hemodinâmica e maior naqueles que foram atendidos inicialmente em hospitais sem laboratório de hemodinâmica e necessitaram de transferência. A proporção de pacientes que não cumpriram as metas de tempo porta-balão aumentou no segundo trimestre de 2020 (25%) comparado ao período equivalente de 2018 (17%; diferença media de 8,4%; intervalo de confiança [IC] 95% 7,2% a 9,7%). O cumprimento adequado dos tempos porta-balão e primeiro contato-balão se associou a uma menor mortalidade intra-hospitalar tanto nos hospitais com centro de hemodinâmica (odds ratio [OR] 0,47; IC 95% 0,40-0,55) como nos casos em que houve necessidade de transferência (OR 0,44; IC 95% 0,26-0,71).
O que estes dados nos dizem? Em primeiro lugar, chama atenção o fato de a mediana de tempo porta-balão estar acima da meta preconizada pelas diretrizes (90 minutos), mostrando que existe uma enorme janela de oportunidade para melhora, sobretudo considerando que este registro foi feito nos Estados Unidos. Em segundo lugar, a associação entre cumprimento das metas (isto é, porta-balão < 90 minutos e primeiro contato-balão < 120 minutos nos casos que necessitam de transferência) e menor mortalidade reforça a importância de se focarem os esforços no sentido de se atrasar qualquer atraso desnecessário para a reperfusão ágil e adequada (Confira também: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/28076/). Em terceiro lugar, o aumento do atraso dos tempos durante a pandemia reflete o impacto que a COVID-19 teve não somente nos casos da doença viral em si, como também em todo o sistema de saúde e consequentemente piorando o prognóstico de outras doenças, como o IAMCSST. O estudo tem algumas limitações importantes, como o fato de ter incluído somente pacientes nos EUA (seriam os resultados diferentes em um estudo semelhante no Brasil?), a natureza observacional do estudo (nós não podemos inferir causalidade mas somente associação), o fato de ter incluído em sua maioria pacientes do sexo masculino e brancos (provavelmente não sendo representativo do todo da população norte-americana atendido com IAMCSST), e a pequena quantidade de pacientes tratados com fibrinólise.
Em resumo, os dados deste estudo nos alertam, em uma população bastante expressiva, como a agilidade na reperfusão ainda está aquém do ideal. Além disso, a reperfusão adequada é provavelmente o principal preditor em termos de tratamento a ter impacto na mortalidade dos pacientes com IAMCSST. Mais do que nunca, fica bem claro que tempo é músculo, e nós jamais devemos nos esquecer disto!
REFERÊNCIA
Jollis JG, Granger CB, Zègre-Hemsey JK, Henry TD, Goyal A, Tamis-Holland JE, Roettig ML, Ali MJ, French WJ, Poudel R, Zhao J, Stone RH, Jacobs AK. Treatment Time and In-Hospital Mortality Among Patients With ST-Segment Elevation Myocardial Infarction, 2018-2021. JAMA. 2022 Nov 22;328(20):2033-2040. doi: 10.1001/jama.2022.20149. (https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2798440)