Já podemos expandir a indicação de TAVI para os pacientes com estenose aórtica de risco cirúrgico moderado?

Compartilhe

O implante transcateter de valva aórtica (TAVI) para o tratamento da estenose aórtica permanece segundo as principais diretrizes atuais sendo indicado como uma alternativa ao tratamento cirúrgico convencional nos pacientes com risco cirúrgico elevado (classe IIa, B), ou como a melhor estratégia de tratamento para os pacientes considerados inoperáveis (classe I, B). As evidências que suportam estas indicações vêm de dois grandes estudos: o Partner trial (prótese balão-expansível Edwards Sapien) e o US Pivotal trial (Prótese autoexpansível Medtronic CoreValve).

A pergunta se devemos ou não progredir as indicações do procedimento para pacientes com risco operatório mais baixo começou a ser respondida no ano passado com a publicação do estudo Partner 2 no nejm.org. Este foi um estudo multicêntrico que comparou TAVI (com prótese balão-expansível Edwards Sapien) x Cirurgia em pacientes com estenose aórtica importante sintomática e risco cirúrgico intermediário (mortalidade estimada pelo STS score entre 4% e 10%), e que demonstrou não-inferioridade da TAVI com relação à mortalidade e outros desfechos duros.

Na semana passada foi apresentado no ACC e publicado no NEJM, o estudo SURTAVI. Este foi um trabalho com desenho muito parecido com o Partner 2, mas que comparou TAVI x Cirurgia de troca valvar aórtica em pacientes com risco moderado, desta vez utilizando a prótese autoexpansível CoreValve.

Um total de 1746 pacientes foram randomizados em 87 centros. Destes, 1660 foram submetidos à TAVI ou à cirurgia de troca valvar aórtica. A média de idade dos pacientes incluídos foi de 79,8 anos, e todos tinham realmente risco cirúrgico intermediário STS score para Mortalidade ao redor de 4,5 % (Baixo: 0 – 4%; Intermediário: 4% – 8%; Alto > 8%). Em 24 meses o desfecho primário (taxa de mortalidade ou AVC desabilitante combinados) foi de 12,6% no grupo TAVI e 14,0% no grupo cirurgia (IC 95% − 5,2 a 2,3%; probabilidade de não inferioridade > 0,999). O tratamento cirúrgico foi associado a maior taxa de insuficiência renal aguda, fibrilação atrial aguda e necessidade de hemotransfusão. Por outro lado, a TAVI teve, como esperado, maior incidência de insuficiência aórtica residual e necessidade de marcapasso definitivo. Aqui cabem alguns comentários técnicos. A prótese utilizada no estudo foi a CoreValve, primeira geração de prótese autoexpansível. Com relação à taxa de insuficiência aórtica residual, o aumento dessa incidência quando comparada a cirurgia se deve, em geral, à presença de leak paravalvar e não de refluxo valvar central. A incidência de leak e de marcapasso definitivo é de fato maior com a TAVI com prótese autoexpansível, embora estas taxas tenham diminuído consideravelmente com a nova geração da prótese (Medtronic Evolut R) que possui modificações estruturais para esse fim específico.

Já devemos então progredir a indicação da TAVI para os pacientes de risco moderado?

Opiniões pessoais:

  • o bom desempenho da TAVI em mais um estudo com esta dimensão certamente estabelece o tratamento percutâneo no hall de opções para estes pacientes.
  • ao se estudar uma população de risco mais baixo risco a qual, consequentemente, viverá por mais tempo, maior é a necessidade de um seguimento longo para que se possa avaliar o desempenho a longo prazo das duas terapias. Dois anos de seguimento pode não ser o suficiente para se testar, por exemplo, a durabilidade da prótese percutânea. Embora que, as análises de até 5 anos de seguimento do Partner 1 demonstram uma durabilidade semelhante das próteses percutânea e convencional.
  • É fundamental ressaltar que, embora o risco cirúrgico médio dos paciente tenha diminuído dos primeiros estudos (Partner 1 e US Pivotal trial: alto risco) para os estudos atuais (Partner 2 e SURTAVI: moderado risco), a idade média dos pacientes estudados permanece elevada (ao redor de 80 anos!). Ou seja, ainda é preciso cautela na indicação da TAVI em pacientes jovens com risco intermediário principalmente devido a preocupações quanto ao desempenho de muito longo prazo da prótese.
  • o aumento da expertise dos operadores/centros implantadores com o procedimento e a evolução da tecnologia dos dispositivos certamente tem diminuído a taxa de complicações relacionadas à TAVI (complicações vasculares, por exemplo), principalmente no acesso transfemoral, já que essa é a via preferencial e mais largamente utilizada. Neste estudo SURTAVI chama atenção a baixa taxa de complicações vasculares no grupo TAVI (6%) quando comparado aos estudos prévios.
  • a prótese utilizada neste estudo é a mesma que temos disponível para implante atualmente no Brasil mas que já coexiste no mercado com a nova geração do produto (ainda com mais evoluções).

Referência bibliográfica:

  • Reardon MJ, Van Mieghem NM, Kappetein AP et al. Surgical or Transcatheter Aortic-Valve Replacement in Intermediate-Risk Patients. N Eng J Med. DOI: 10.1056/NEJMoa1700456.