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Será que a prótese valvar transcateter é durável ?
Escrito por
Cristiano Guedes
Publicado em
14/2/2019
Como já discutido anteriormente, o implante transcateter de bioprótese valvar aórtica (TAVI - da sigla em inglês: transcatheter aortic valve implantation) para tratamento da estenose aórtica grave e sintomática é um tratamento bem estabelecido para os pacientes de moderado risco cirúrgico, alto ou muito alto risco cirúrgico. Também é uma alternativa terapêutica para o tratamento de biopróteses cirúrgicas degeneradas (Valve-in-Valve) e estenose aórtica bicúspide. Também já foi discutido que o emprego da TAVI para o grupo de pacientes mais jovens e de baixo risco era limitada devido às incertezas em relação a durabilidade da bioprótese transcateter no longo prazo assim como sua comparação com as próteses cirúrgicas habitualmente empregadas nesses pacientes. É sabido que as próteses cirúrgicas convencionais tem durabilidade > 5-10anos.
Na semana passada, foi publicado no Journal of American College of Cardiology (JACC), 2 estudos e 1 editorial abordando o assunto da durabilidade da bioprótese valvar aórtica transcateter. Trata-se do acompanhamento do estudo NOTION e do registro Britânico U.K.TAVI que mostraram baixas taxas de deterioração valvar em seguimento de longo prazo (6 anos no estudo Notion e mediana de 5,8 anos, variando de 5 a 10 anos, no registro britânico).
Relembrando, o NOTION foi o primeiro estudo a incluir pacientes de baixo risco cirúrgico, idade 78-79anos, para comparação dos tratamentos cirúrgico(n=135) vs TAVI (n=139) com a prótese autoexpansível de primeira geração CoreValve (Medtronic). No seguimento de 6 anos, a mortalidade permaneceu semelhante (p = 0,58) entre os grupos.
A deterioração valvar estrutural foi definida nesse estudo por gradiente médio ≥ 20 mmHg, aumento ≥ 10 mmHg em 3 meses ou regurgitação aórtica maior que leve intra-prótese nova ou piorando. Chama atenção que a deterioração estrutural da prótese valvar aórtica ocorreu em 24% dos pacientes cirúrgicos vs 4,8% dos pacientes TAVI (P< 0,001), caracterizado principalmente por gradientes transvalvares elevados (≥ 20 mmHg) após o procedimento. Deterioração valvar não estrutural, definida como mismatch paciente-prótese moderado a grave ou leak paravalvar moderado a grave, ocorreu de forma semelhante entre os grupos cirúrgicos e transcateter (57,8% vs 54%; p=0,52). Não houve nenhum caso de trombose de prótese e a taxa de endocardite infecciosa foi semelhante entre os grupos (5,9% vs 5,8%; p = 0,52). As taxas de falência da prótese valvar aórtica também foi similar, sendo definida por morte relacionada a prótese, reintervenção valvar ou deterioração estrutural grave. Os autores concluem que apesar do bom desempenho da prótese autoexpansível CoreValve no médio prazo (6 anos), o seguimento prolongado de ensaios clínicos randomizados são necessários para confirmar esses resultados.
Por sua vez, a análise do registro de TAVI britânico (U.K. TAVI), que incluiu 241 pacientes com média de idade de 79 ± 7,5 anos, mostrou que a incidência geral de deterioração valvar pelo menos moderada foi de apenas 8,7%. Nesse registro, as duas principais bipróteses transcateteres implantadas foram a autoexpansível CoreValve (Medtronic) em 64%, seguida pela balão expansível Sapien / Sapien XT (Edwards Lifesciences) em 35% dos casos. Degeneração grave foi bastante rara ocorrendo em apenas 1 paciente (<1%) após 5,3 anos do implante. 15 casos TAVI foram realizados para tratar prótese cirúrgica degenerada e nesses casos não foi observado deterioração da válvula transcateter em longo prazo de acompanhamento. Os autores concluíram que a função valvar transcateter a longo prazo é excelente, com 91% dos pacientes livres de deterioração valvar entre 5 e 10 anos do implante.
No editorial, são feitas algumas ponderações em relação aos critérios para considerar deterioração valvar em ambos os estudos, porém mesmo considerando critérios mais rigorosos, as taxas de deterioração hemodinâmica ou estrutural são maiores com a cirurgia convencional do que com a TAVI. Portanto, podemos ficar com as seguintes informações:
- A durabilidade da bioprótese transcateter é pelo menos igual a da bioprótese cirúrgica.
- Em seguimento de 5-10 anos, a taxa de deterioração da prótese valvar aórtica transcateter foi baixa.
- A TAVI continua a evoluir, com próteses autoexpansível e expansível por balão já na 3 geração, com menor perfil dos devices permitindo a realização da maioria dos casos pela via transfemoral, menor necessidade de marcapasso e diminuição do leak paravalvar, além do uso da estratégia minimalista em muitos centros, permitindo melhores resultados a curto prazo.
- Para que ocorram mudanças nas recomendações dos guidelines em relação a indicação da TAVI em pacientes jovens e de baixo risco, ainda serão necessários mais estudos randomizados e registros com seguimento de longo prazo nesse grupo específico de pacientes.
Referências:1- Lancellotti P et al. The long quest for the holy grail in transcatheter aortic bioprosthesis: durability and long-term performance. J Am Coll Cardiol. 2019.2- Søndergaard L et al. Durability of transcatheter and surgical bioprosthetic aortic valves in patients at lower surgical risk. J Am Coll Cardiol. 2019.3- Blackman DJ et al. Long-term durability of transcatheter aortic valve prostheses. J Am Coll Cardiol. 2019.