Compartilhe
Devemos rastrear DAC em todo paciente pré-transplante renal?
Escrito por
Giovanna Menin
Publicado em
8/2/2023
O screening de doença arterial coronariana (DAC) é um importante fator na avaliação do paciente pré-transplante renal, sendo recomendado por todos os guidelines até o momento. A pesquisa de DAC, sendo ela invasiva ou não invasiva, em pacientes assintomáticos que aguardam transplante renal é uma prática prevalente. Mas será que é mesmo preciso rastrear DAC em todo paciente pré-transplante renal?
Considerando este racional, recentemente foi publicado no JAMA Internal Medicine, por Cheng et al., um estudo com a finalidade de estimar a associação entre screening para DAC pré-transplante renal e taxas de mortalidade e IAM pós transplante. Trata-se de um estudo de coorte, em que foram incluídos todos os adultos receptores de transplante renal pela primeira vez no período de 2000 a 2014 listados no US Renal Data System com pelo menos 1 ano de Medicare part A and B antes e após o transplante (2 anos no total). A pergunta principal que o estudo procurou responder foi: rastrear DAC em todo paciente pré-transplante renal está associado à menor mortalidade e/ou à menor ocorrência de IAM não fatal nos primeiros 30 dias pós transplante?
Para tanto, foi utilizada uma variável instrumental que consistia na proporção de adultos candidatos a transplante renal de baixo risco cardiovascular na lista de espera de cada serviço de transplante no dia 1 de janeiro de cada ano (denominador) que foram submetidos à screening não urgente para DAC durante aquele ano (numerador). A variável instrumental ia de 0 (nenhum candidato de baixo risco testado) a 1 (todos os candidatos de baixo risco testados). Baixo risco cardiovascular foi definido como ausência de fatores de risco maiores, incluindo idade acima de 60 anos, diabetes e DAC estabelecida. O desfecho primário era o composto de morte ou infarto a nos 30 dias subsequentes ao transplante renal.
Resultado: o estudo não demonstrou que rastrear DAC em todo paciente pré-transplante renal se associou a menor risco de eventos cardiovasculares (morte ou IAM não fatal) nos 30 dias subsequentes ao transplante. Além disso, uma análise direcional demonstrou que o screening possivelmente causaria dano (aumento de até 3.5% no risco absoluto de evento cardíaco). O screening foi associado a um aumento de até 6.8% no risco absoluto de eventos durante os anos iniciais do estudo (de 2000 a 2003) (IC 95% 1.8-12.3%), o que foi mais alto do que a probabilidade basal de evento em 30 dias, de 6.6%. Esse achado inesperado de dano em potencial pode estar associado ao viés de confusão residual ocorrido devido à um desbalanço entre as características específicas de cada serviço de transplante. Além disso, em 2003 houve a aprovação do primeiro stent farmacológico nos EUA; anteriormente, apenas stents metálicos eram utilizados, estando associados a maior risco perioperatório e, portanto, podendo estar correlacionado à análise direcional que demonstrou possível dano. (Quer saber mais sobre manejo perioperatório de pacientes com stent coronário? Confira em https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/meu-paciente-com-stent-vai-fazer-uma-cirurgia-o-que-eu-faco-com-os-antiplaquetarios/)
A principal limitação do estudo é que o viés devido aos confundidores residuais pode não ser totalmente resolvido pelo design quase-experimental de variável instrumental desse estudo. Ainda, o volume de transplantes varia de acordo com o serviço. De qualquer modo, fica a lição: não temos evidência suficiente para rastrear DAC rotineiramente em todo paciente pré-transplante renal. Casos selecionados podem se beneficiar de acordo com o cenário clínico. Aguardemos futuros estudos a este respeito.
REFERÊNCIASCheng XS, Liu S, Han J, Stedman MR, Baiocchi M, Tan JC, Chertow GM, Fearon WF. Association of Pretransplant Coronary Heart Disease Testing With Early Kidney Transplant Outcomes. JAMA Intern Med. 2023 Feb 1;183(2):134-141. https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/2800152