Compartilhe
Qual esquema antiplaquetário utilizar após TAVI?
Escrito por
Eduardo Pessoa
Publicado em
3/9/2020
O regime antiplaquetário/anticoagulante ideal após o implante transcateter de válvula aórtica (TAVI) ainda permanence indefinido. Desde o início da experiência com o procedimento, a utilização de esquemas antiplaquetários tem seguido uma extrapolação das evidências clínicas construídas para outros tipos de próteses (angioplastia coronária com stents, oclusão de defeitos septais, etc.). A evidência científica específica para o TAVI ainda é escassa. Os guidelines atuais recomendam a utilização de aspirina + clopidogrel por 3 a 6 meses depois do TAVI seguida por aspirina em monoterapia, em pacientes que não tem uma indicação formal para anticoagulação oral (ex: fibrilação atrial, tromboembolismo venoso, etc).
O Popular TAVI (Antiplatelet Therapy for Patients Undergoing Transcatheter Aortic Valve Implantation) é um estudo multicêntrico europeu que avaliou, através de duas coortes em paralelo, o regime antiplaquetário/anticoagulante após o TAVI. Na coorte B, publicada previamente, em pacientes submetidos a TAVI e que tinham uma indicação formal para anticoagulação oral, clopidogrel em adição a anticoagulantes orais foi associado a uma maior incidência de sangramento e não reduziu o risco de eventos isquêmicos quando comparado ao tratamento com anticoagulante oral em monoterapia.
Esta semana foi apresentada no ESC virtual, e simultaneamente publicada no NEJM, a coorte A do estudo Popular TAVI que comparou aspirina em monoterapia versus aspirina + clopidogrel em pacientes submetidos a TAVI mas que NÃO tinham indicação para anticoagulação oral.
Um total de 665 pacientes foram radomizados, porém de forma open label, para o tratamento com aspirina em monoterapia (331 pacientes) versus aspirina + clopidogrel (334 pacientes) por 3 meses, seguido por aspirina em monoterapia. Os endpoints primários foram a ocorrência de qualquer sangramento (incluindo sangramento menor, maior e life-threatening) e sangramento não relacionado ao procedimento em um seguimento de 12 meses. Os endpoints secundários foram a composição de sangramento, morte cardiovascular, AVC ou infarto (endpoint secundário 1) e a composição de morte cardiovascular, AVC ou infarto (endpoint secundário 2).
A incidência de sangramento geral foi de 15,1% no grupo aspirina e 26,6% no grupo aspirina + clopidogrel (RR: 0,57; IC 95%: 0,42 a 0,77; p=0,001). A incidência de sangramento não relacionado ao procedimento foi de 15,1% no grupo aspirina e 24,9% no grupo aspirina + clopidogrel (RR: 0,61; IC 95%: 0,44 a 0,83; p=0,005). A incidência de sangramento, morte cardiovascular, AVC ou infarto (endpoint secundário 1) foi de 23,0% no grupo aspirina e de 31,1% no grupo aspirina + clopidogrel (− 8,2%; IC 95% para não-inferioridade: − 14,9 a – 1,5; p<0.001; RR: 0,74; IC 95% para superioridade: 0,57 a 0,95; p=0,04). A incidência de morte cardiovascular, AVC ou infarto (endpoint secundário 2) foi de 9,7% e 9,9%, respectivamente (− 0,2%; IC 95% para não-inferioridade: − 4,7 a 4,3; p=0,004; RR: 0,98; IC 95% para superioridade: 0,62 a 1,55; p=0,93).
Um outro aspecto interessante com relação aos resultados do estudo é que a incidência de trombose sintomática da prótese foi baixa e similar entre os grupos. Além disso, o incremento do gradiente transvalvar durante o seguimento, um achado que poderia sugerir a deterioração hemodinâmica da prótese, também foi similar entre os grupos.
Em resumo, nesse estudo aspirina em monoterapia após TAVI foi associada com menor taxa de sangramento geral (às custas principalmente de sangramento maior) em 12 meses quando comparado ao tratamento com aspirina + clopidogrel. Não houve diferença entre os grupos quanto a ocorrência de morte ou eventos trombóticos.
Opinião pessoal:
- Até então, o único estudo randomizado com desenho similar era o canadense ARTE trial, que incluiu 222 pacientes no total, e mostrou resultado semelhante. O Popular TAVI trial, embora não nos dê uma resposta definitiva, acrescenta mais dados à discussão e, possivelmente, provocará a modificação das diretrizes sobre o regime antiplaquetário ideal após o TAVI, convergindo com o que muitos centros ao redor do mundo já vinham adotando na prática clínica;
- este estudo, assim como todos os ensaios clínicos de maior impacto com TAVI, incluiu pacientes IDOSOS (média 80 anos), com perfil clínico habitual para o TAVI (predomínio de estenose sintomática de válvula nativa, com uma porcentagem menor de baixo fluxo gradiente, insuficiência aórtica pura ou dupla lesão aórtica).
Referência bibliográfica: