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Podemos individualizar a terapia antiplaquetária baseados em teste genéticos?
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
28/3/2020
Acabou de ser apresentado no congresso do American College of Cardiology (ACC) o estudo TAILOR PCI. O que viu este estudo? Desde a década de 90 que descobrimos que pacientes que recebem stent nas coronárias precisam usar dupla antiagregação plaquetária por um tempo. Quem mostrou isso foi o estudo STARS que uso ticlopidina. Notou-se que esta medicação tinha o potencial de causar efeitos colaterais hematológicos como neutropenia e ela terminou sendo substituída pelo clopidogrel. A questão é que essa medicação não é ingerida na sua forma ativa mas sim como uma pró-droga. Ela precisa ser metabolizada no fígado, especificamente no citocromo CYP2C19 para virar um antiplaquetário ativo. OK. E daí? Daí que uma parcela significativa da população possui polimorfismos genéticos que fazem com que essa metabolização não ocorra de forma eficiente, causando assim uma má resposta ao clopidogrel. Isso poderia aumentar o risco de trombose de stent já que a dupla antiagregação não estaria funcionando plenamente.
De outro lado, desde a publicação do estudo PLATO temos um antiplaquetário potente, o ticagrelor, que não depende de metabolização hepática para exercer sua função. Ele já ingerido como droga ativa. Será que se usássemos testes genéticos para definir quem responde bem ou não ao clopidogrel poderíamos escolher de forma melhor que regime antiplaquetário usar. Foi isso que o TAILOR PCI avaliou.
Qual a pergunta principal do trabalho?
Identificar pctes portadores de polimorfismos genéticos que diminuem a resposta ao clopidogrel e assim trocar o antiplaquetário para ticagrelor nesses casos reduz desfechos isquêmicos (IAM + AVC + morte cardiovascular + trombose de stent + isquemia recorrente importante) 12 meses após uma angioplastia?
Os pctes foram divididos em 2 grupos: um que recebia DAPT com clopidogrel (75 mg.d) e outro em que se fazia genotipagem logo no início e, caso o paciente tivesse polimorfismos relevantes, recebia ticagrelor (90 mg 2xd) ao invés do clopidogrel. Ao final dos 12 meses de seguimento, todos os pacientes eram submetidos a genotipagem e os pctes que foram incluídos na análise primária foram justamente os portadores de polimorfismos.
Quais fora os pacientes que participaram do estudo?Critérios de inclusão (resumo):
- Idade ≥18 anos
- Angioplastia devido a síndrome coronariana aguda ou a coronariopatia crônica
- Revascularização efetiva de artérias dos MMII nos últimos 10 dias
Critérios de exclusão (resumo):
- Paciente não pode fazer uso de DAPT por 12 meses
- Angioplastia não realizada/mal sucedida
- Cr ≥ 2,5 mg/dL
- Plaq < 80.000
- Gestação
- Uso de anticoagulantes
Quais foram os resultados?
- Foram randomizados 5.302 pctes. Destes, 1849 eram portadores de polimorfismos do CYP2C19 e entraram na análise primária.
- A maioria dos pacientes estava num contexto de síndrome coronariana aguda (cerca de 85%).
- Não houve diferença no endpoint primário entre os grupos
- Notar que na figura acima o intervalo de confiança cruza o 1 (fica entre 0.43 e 1.02) e que o p é superior a 0.05. Ou seja, houve uma tendência a melhores resultados com a genotipagem mas não chegou a ter significância estatística.
- Não houve diferença em relação a sangramento entre os grupos.
- Foi feita outra análise, pré-especificada, do estudo em que ao invés de considerarem apenas o tempo para o primeiro evento isquêmico computou-se o total de eventos isquêmicos nos dois grupos. Neste cenário houve benefício para a genotipagem. Mas não foi a análise principal proposta pelo estudo então é mais geradora de hipóteses do que qualquer coisa.
- Conclusão dos autores: a estratégia baseada em genotipagem não mostrou reduzir desfechos isquêmicos em 12 meses. Há um potencial benefício quando se considera a análise de efeitos isquêmicos cumulativos.
- A conclusão é essa mesmo. Mais um estudo que não mostrou benefício clínico do uso rotineiro de genotipagem para detectar pacientes com polimorfismos que reduzem a reposta ao clopidogrel.