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Pensando em indicar MitraClip para seu paciente com IC? Preste atenção nisso!
Escrito por
Cristiano Guedes
Publicado em
29/3/2019
A insuficiência mitral (IM) secundária ou funcional está presente em mais de 50% dos pacientes com insuficiência cardíaca (IC), porém chega a ser considerada grave em apenas 10-15% deles. IM grave em pacientes com IC está associada a pior prognóstico.
Recentemente, o órgão americano Food and Drug Administration (FDA) ampliou a indicação do MitraClip para incluir pacientes com IC que apresentam IM secundária ou funcional moderada a grave, apesar do tratamento medicamentoso otimizado recomendado por diretrizes (TMOD). O MitraClip já havia sido aprovado pelo FDA em 2013 para o tratamento da IM degenerativa ou primária. A nova recomendação foi baseada no estudo COAPT (n = 610 pacientes) discutido nesse link. Resumidamente, comparando TMOD + MitraClip vs TMOD isolado, foram observadas taxas anualizadas de hospitalizações de 35,8% vs 67,9%, respectivamente (P <0,001), com NNT de 3,1. A mortalidade em 2 anos, desfecho secundário pré-especificado, foi menor no grupo MitraClip (29,1% vs 46,1%, OR 0,62; IC95%: 0,46-0,82), com NNT de 5,9. Além disso, o procedimento foi seguro, livre de complicações em 96,6% dos casos. No entanto, devido aos divergentes resultados do estudo europeu MITRA-FR, onde não foi demonstrado benefício em perfil semelhante de pacientes, aguardam-se os resultados do estudo em andamento RESHAPE-HF.
A avaliação da gravidade da IM secundária através do ECO é desafiadora, uma vez que esta é decorrente da falha de coaptação dos folhetos, sendo a anatomia assimétrica, avaliação do orifício regurgitante, jatos excêntricos e câmaras cardíacas aumentadas fatores dificultadores da avaliação pelo ECO. Além disso, as diretrizes européias e americanas divergem em relação aos critérios para definir gravidade da IM secundária.
No contexto de tentar entender o perfil de pacientes que se beneficiaram da terapia mitral percutânea no estudo COAPT, foi apresentado no recente congresso American College of Cardiology (ACC) 2019, o subestudo ecocardiográfico COAPT Echo.
No COAPT, a análise ecocardiográfica foi realizada por laboratório de ECO independente seguindo padronização americana, sendo realizado ECO com 0,1,6,12,18 e 24 meses.
Os critérios ecocardiográficos chaves para inclusão no COAPT foram:
- Fração de Ejeção do Ventrículo Esquerdo (FEVE) entre 20% - 50% e Diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo (DDVE) ≤ 70 mm (cardiopatia isquêmica ou não isquêmica)
- IM secundária passível de tratamento por MitraClip
- IM secundária moderada a grave (3+) ou grave (4+) confirmada em laboratório independente de ECO
Nesse subestudo, foram descritos os critérios ecocardiográficos de classificação da IM utilizados no estudo COAPT e foram investigadas características ecocardiográficas basais preditoras de desfechos clínicos (Morte ou Hospitalização por IC aos 24 meses) para tentar identificar respondedores e não respondedores ao MitraClip.
Simplificando, seguem os 2 principais critérios ECO utilizados para diagnóstico de IM secundária 3+/4+, o que corresponde a 96,2% da população COAPT.
- Critério 1 (85,7% dos pacientes):
- Área de Orifício Regurgitante Efetivo (ERO em inglês) ≥ 0,30 cm²
- E/OU inversão do fluxo sistólico do veia pulmonar
- Critério 2 (10,5% dos pacientes):
- ERO 0,20 – 0,29 cm² mais uma característica adicional:
- Volume regurgitante ≥45 mL/batimento,
- Fração Regurgitante ≥40%,
- Vena Contracta ≥ 0,5 cm
- ERO 0,20 – 0,29 cm² mais uma característica adicional:
Em relação a pesquisa de preditores, os autores concluiram que em pacientes com IC e IM 3+/4+ sintomáticos apesar de TMOD, o MitraClip proporcionou benefícios de mortalidade total e hospitalização por IC aos 24 meses em todos os subgrupos ecocardiográficos, independentemente do grau de disfunção e dimensões do VE, hipertensão pulmonar, gravidade da insuficiência tricúspide (IT) ou parâmetros individuais de IM, falhando em discriminar quais pacientes se beneficiam ou não do reparo percutâneo (todos respondedores).
A FEVE basal, IT e grau da IM foram preditores de piores desfechos em pacientes com IC tratados clinicamente, mas não foram preditores de eventos nos pacientes submetidos a correção da IM pelo MitraClip. A PSVD foi o único preditor ecocardiográfico independente de piores desfechos clínicos após os tratamentos com MitraClip ou TMOD exclusivo.
Também no congresso ACC 2019, foi apresentado outro sub-estudo COAPT que avaliou o impacto na qualidade de vida, aspecto fundamental para esses pacientes. Foram apresentados dados sobre o estado de saúde usando o KCCQ (Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire), sendo demonstrado que o escore KCCQ foi maior em pacientes TMOD +MitraClip vs pacientes TMOD (diferença de pontuação pelo escore KCCQ aos 24 meses: 12,8; P <0,001).
É importante ressaltar que apesar dos benefícios do reparo percutâneo, quase metade dos pacientes apresentaram eventos em 2 anos após MitraClip (45,4% dos pacientes tratados com MitraClip e 67,4% dos pacientes TMOD morreram ou tiveram uma primeira hospitalização por IC em 2 anos). Portanto, ainda é preciso evoluir muito no entendimento de quais pacientes mais se beneficiam do reparo percutâneo da IM secundária, assim como, no tratamento específico para a IC avançada.
Referências:Food and Drug Administration. FDA approves new indication for valve repair device to treat certain heart failure patients with mitral regurgitation Published on: March 14, 2019.Asch FM. Heart Failure and Secondary Mitral Regurgitation: Echocardiographic Outcomes from the COAPT Trial. Presented at: ACC 2019. March 17, 2019. New Orleans, LA.Suzanne V. Arnold SV, et al. Health status after transcatheter mitral valve repair in patients with heart failure and secondary mitral regurgitation: COAPT trial. J Am Coll Cardiol. 2019; Epub ahead of print.