Paciente com fibrilação atrial anticoagulado vai para cirurgia: preciso fazer terapia ponte com heparina?

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Paciente com fibrilação atrial anticoagulado vai para cirurgia: preciso fazer terapia ponte com heparina?

Dúvida frequente para quem trabalha com pacientes com fibrilação atrial (FA) em uso de varfarina: se o meu paciente for realizar uma cirurgia eletiva, preciso realizar terapia ponte com heparina? Não sabe do que estamos falando? Pctes que usam varfarina devido à FA o fazem devido ao risco aumentado de eventos tromboembólicos. Quando há necessidade de se realizar cirurgia/procedimento eletivo, a varfarina precisa ser suspensa antes já que aumenta o risco de sangramento perioperatório. Como a meia-vida da medicação é longa, essa suspensão tem que ser realizada vários dias antes. Mas e aí? O meu paciente então não ficará a mercê de um evento tromboembólico neste período? Seguindo este racional, há muito se usa a chamada terapia ponte com heparina. Basicamente, depois que o INR fica abaixo de 2 (sinalizando que a varfarina já não está exercendo seus efeitos plenamente), é iniciada heparina ou de baixo peso molecular ou não fracionada para manter o pcte protegido de eventos trombóticos. A medicação é então suspensa horas antes da cirurgia, sendo retornada após o procedimento até que a varfarina gere uma anticoagulação eficaz (normalmente depois de muitos dias).

Mas esta estratégia já foi investigada cientificamente de forma adequada? Sim. O estudo que avaliou isto foi o chamado BRIDGE, publicado no New England Journal of Medicine em 2015. Dados do estudo:Pergunta principal do trabalho:

  • Em pacientes com FA em uso de varfarina, é necessário o uso de terapia ponte com heparina antes e depois da realização de procedimentos invasivos?

Detalhes metodológicos

  • Ensaio clínico randomizado, duplo-cego, placebo controlado.
  • Critérios de inclusão: pctes ≥ 18 anos, portadores de FA ou flutter, em uso de varfarina há mais de 3 meses, com INR entre 2 e 3, que possuíam ao menos 1 ponto no escore CHADS e que iriam ser submetidos a algum procedimento invasivo onde fosse necessária a interrupção da anticoagulação.
  • Os principais critérios de exclusão eram: prótese valvar mecânica, AVC/AIT ou evento embólico nos últimos 3 meses, sangramento relevante nas últimas 6 semanas, ClCr<30 mL/min, plaq < 100.000 ou se a cirurgia proposta fosse cardíaca, neurocirurgia ou cirurgia intraespinhal.
  • Os pctes tinham sua varfarina suspensa 5 dias antes do procedimento. Após isto, podiam seguir dois caminhos: ou receber dalteparina antes e após a cirurgia ou receber placebo.
  • Endpoint primário de eficácia – desfecho composto de eventos tromboembólicos (incluindo AVC, AIT, embolia sistêmica) e endpoint primário de segurança foi sangramento maior.
  • Trata-se de estudo de não inferioridade.
  • Foram incluídos 1.884 pctes.

Resultados

  • Resposta à pergunta principal: não houve diferença entre os grupos em relação ao surgimento de eventos tromboembólicos (não inferioridade comprovada). No grupo que fez a terapia ponte, a incidência de eventos foi de 0,3%. No grupo placebo, 0,4%.
  • Sangramento maior ocorreu em 1,3% dos pctes do grupo placebo e em 3,2% dos pctes no grupo dalteparina.
  • CHADS médio dos pctes era de 2,3.
  • Houve poucos pctes com CHADS de 5 ou 6 - não chegou a 4% dos pctes do estudo.

Opiniões pessoais:

  • Estudo mostra de forma clara que o uso de terapia ponte com heparina de forma generalizada não se justifica em pctes com FA em uso de varfarina. Quer dizer então que não preciso usar para ninguém? Não é bem assim. Primeiro, o trial excluía certos grupos de pctes como, por exemplo, pctes com prótese mecânica ou com AVC/AIT recente. Estes grupos, principalmente os pctes com prótese mecânica mitral, persitem com recomendação dos especialistas de usar terapia ponte. Segundo, pctes com CHADS muito elevado (5 ou 6) foram pouco representados no estudo. O que fazer neste caso? A diretriz brasileira de periop recomenda fazer terapia ponte.
  • Lembrando que isto tudo é para varfarina. Quando avaliamos pctes em uso de NOACS, não há necessidade de considerar terapia ponte já que as drogas possuem meia-vida curta e assim podem ser suspensas próximas à cirurgia.