O uso de beta-bloqueadores após infarto do miocárdio: novas evidências

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              Por muito tempo, os beta-bloqueadores foram recomendados como terapia padrão após o infarto do miocárdio (IM), especialmente para prevenção de novos eventos cardiovasculares. No entanto, com os avanços no tratamento da doença isquêmica aguda, uma pergunta importante surge: será que todos os pacientes, especialmente aqueles com fração de ejeção preservada, necessitam de beta-bloqueadores a longo prazo?

              Na semana passada, foi publicado na New England Journal of Medicine (NEJM) mais um estudo envolvendo o uso de beta-bloqueadores após infarto do miocárdio (IM). Como devemos interpretar esses novos resultados e qual é o impacto real na prática clínica? Vamos explorar dois estudos recentes – o REDUCE-AMI e o ABYSS – que trazem insights relevantes sobre a questão.

REDUCE-AMI: Beta-Bloqueadores após Infarto do Miocárdio e Fração de Ejeção Preservada.

              O estudo REDUCE-AMI foi publicado na NEJM em abril desse ano e focou em pacientes com infarto do miocárdio com fração de ejeção preservada (≥50%). Esses pacientes foram submetidos a tratamentos modernos, como angioplastia e terapia com estatina, e a principal questão era se os beta-bloqueadores ainda trariam benefícios em um cenário de fração de ejeção preservada e tratamento clínico otimizado. O estudo incluiu mais de 5.000 pacientes e os dividiu em dois grupos: um recebeu beta-bloqueador (metoprolol ou bisoprolol) e o outro não.

              Após um acompanhamento mediano de 3,5 anos, os resultados mostraram que não houve diferença significativa entre os grupos em relação ao desfecho primário (composto por morte, novo infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral não fatal ou hospitalização por motivos cardiovasculares). Tanto o grupo que recebeu beta-bloqueador quanto o grupo controle tiveram taxas semelhantes de eventos, sugerindo que, para pacientes com fração de ejeção preservada, o uso prolongado de beta-bloqueador pode não ser necessário.

ABYSS: Interrupção versus Continuação de Beta-bloqueadores após Infarto do Miocárdio

              O trabalho ABYSS foi apresentado no último congresso da ESC e publicado há poucos dias na NEJM. Nele, foi abordado uma questão semelhante, mas com foco em pacientes com fração de ejeção preservada ou moderadamente reduzida (≥40%) que já estavam em uso crônico de beta-bloqueador. A pergunta central era: é seguro interromper a terapia com beta-bloqueadores nesses pacientes, após um longo período de estabilidade clínica? O estudo incluiu quase 3.700 pacientes de 49 centros na França, que haviam tido infarto do miocárdio, todos com fração de ejeção de pelo menos 40%, e os dividiu entre aqueles que continuaram ou interromperam o uso de beta-bloqueadores.

               Os resultados mostraram que a interrupção da terapia resultou em uma pequena, mas significativa, elevação no risco de eventos cardiovasculares no grupo de interrupção 23,8% vs. 21,1% (IC de 95%, <0,1 a 5,5; HR, 1,16; IC de 95%, 1,01 a 1,33; P = 0,44 para não inferioridade). Embora a diferença não tenha sido grande, o estudo sugere que a interrupção pode não ser uma estratégia completamente segura para pacientes que estejam estáveis clinicamente. Quando analisado separadamente os elementos de desfecho composto primário, não houve muita diferença em morte, IM e AVC, mas um aumento em novas hospitalizações por eventos cardiovasculares (18,9% dos pacientes no grupo de interrupção foram hospitalizados por causas cardiovasculares, em comparação com 16,6% no grupo de continuação). Outro aspecto importante avaliado foi a qualidade de vida dos pacientes, medida pelo questionário European Quality of Life – 5 Dimensions (EQ-5D). Não houve melhora significativa na qualidade de vida dos pacientes que interromperam os betabloqueadores em comparação com aqueles que continuaram o tratamento.

Comparação entre os estudos

               Entre as principais diferenças estão os critérios de inclusão em relação a fração de ejeção dos pacientes. O REDUCE-AMI investigou exclusivamente pacientes com fração de ejeção preservada (≥ 50%), enquanto o ABYSS incluiu também pacientes com fração de ejeção moderadamente reduzida (≥40%). Cerca de ¼ dos pacientes tinham fração de ejeção do VE entre 40% e 50%. No ABYSS, o desfecho primário do estudo foi composto por morte, novo infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral não fatal ou hospitalização por motivos cardiovasculares, enquanto que no REDUCE -AMI, o composto de morte por qualquer causa ou novo IM. O ABYSS randomizou em uma proporção de 1:1 para interromper ou continuar a medicação, enquanto que o REDUCE-AMI os pacientes foram designados para iniciar ou não a medicação.

Impacto na prática clínica

                Apesar de abordarem o mesmo tema, os dois trabalhos trazem mais evidências para esse cenário. O REDUCE-AMI traz a possibilidade de uma certa flexibilidade prescritiva para o não uso de betabloqueador em pacientes com IM não complicado tratado de forma adequada, reduzindo a polifarmácia comum a esses pacientes. O ABYSS, por sua vez, traz a ideia de que em pacientes estáveis após 1 ano do IM, a suspensão não deve ser uma rotina, principalmente em pacientes com algum grau de disfunção ventricular ou que necessitem do betabloqueador para tratamento de outras comorbidades como arritmias ou hipertensão arterial. A grande questão a ser buscada continua sendo a personalização do tratamento levando-se em conta a fração de ejeção após IM, a polifarmácia, a idade e as comorbidades dos pacientes.

Referências:

Silvain, Johanne et al. “Beta-Blocker Interruption or Continuation after Myocardial Infarction.” The New England journal of medicine vol. 391,14 (2024): 1277-1286. doi:10.1056/NEJMoa2404204.

Yndigegn, Troels et al. “Beta-Blockers after Myocardial Infarction and Preserved Ejection Fraction.” The New England journal of medicine vol. 390,15 (2024): 1372-1381. doi:10.1056/NEJMoa2401479.