O tratamento com estatina deve ser guiado por metas?

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Estatinas são um dos pilares no tratamento de pacientes com doença arterial coronariana (DAC). No entanto, ainda hoje se debate qual o real objetivo terapêutico quando prescrevemos essas medicações. Por exemplo, algumas diretrizes recomendam o tratamento inicial com estatina de alta potência para obter pelo menos 50% de redução no colesterol LDL. Outras (incluindo as diretrizes brasileiras) sugerem iniciar com doses moderadas, e então ajustar para uma meta específica de LDL (de acordo com o risco do paciente). Essas alternativas não foram comparadas em um ensaio clínico envolvendo pacientes com DAC.

Afinal de contas, o tratamento com estatina deve ser guiado por metas de LDL, ou basta prescrever dose alta das mesmas? Ou seja, o tratamento para se obter LDL alvo entre 50 e 70 mg/dL seria equivalente a uma estratégia com estatinas em altas doses?

Esta foi a pergunta que o estudo Low-Density Lipoprotein Cholesterol-Targeting Statin Therapy versus Intensity-Based Statin Therapy (LODSTAR) buscou responder.

Qual foi a proposta do estudo?

Foram randomizados 4400 pacientes com DAC entre 2016 e 2019, idade média de 65 anos, sendo 27,9% composto por mulheres.Sobre o uso de estatinas nesta população:

  • 25% já estavam tomando uma estatina de baixa/moderada dose
  • 57% estavam tomando uma dose alta
  • 73% dos pacientes no grupo por metas permaneceram na dose original durante todo o período do estudo.

O desfecho primário era o composto de morte, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral ou revascularização coronariana em três anos. A margem para não inferioridade foi de 3%.

Quais o principais resultados?

Os níveis de LDL foram mais altos no grupo por metas do que no grupo de alta dose apenas nas primeiras 6 semanas do estudo. Ao final do estudo, não houve diferença significativa nesses níveis. Mais pacientes no grupo por metas obtiveram um níveis de LDL < 70 mg/dL.

A incidência do desfecho primário foi de 8,1% no grupo orientado por metas, e 8,7% no grupo em altas doses – sem diferença entre os grupos!

Ou seja, uma abordagem de tratamento guiado por LDL alvo não é inferior à terapia com estatina em alta dose na redução de desfechos cardiovasculares em pacientes com DAC.

Quais as perspectivas agora?

Este trabalho sugere que uma abordagem individualizada para prescrição de estatinas, talvez buscando metas de LDL menores que 70 mg/dL ao mesmo tempo em que se utiliza uma dose alta dessas medicações pode ser o caminho. A força desse trabalho inclui o grande tamanho da amostra e o longo período de acompanhamento. Já como limitações, podemos apontar que as conclusões valem para pacientes com DAC (e, portanto, prevenção secundária).

Além disso, este estudo não encorajava acrescentar outros hipolipemiantes (como ezetimibe ou inibidores de PCSK9) para reduzir o LDL no grupo orientado por metas, mesmo quando as estatinas em doses máximas não eram suficientes. A justificativa era que o estudo pudesse "focar na estratégia”, evitando fatores confundidores. Por isso, muitos pacientes neste estudo não conseguiram atingir um LDL < 70 mg/dL. Cerca de 40% do grupo guiado por meta de LDL e aproximadamente um terço do grupo de alta dose estavam acima desses níveis em 3 meses, e persistiram ao longo do estudo.

Posto isso, na prática, acho que este estudo talvez não seja tão relevante quanto gostaríamos que fosse. Afinal, se o objetivo era testar a estratégia de se perseguir determinada meta, sabemos que outras medicações hipolipemiantes estão amplamente disponíveis hoje e poderiam ter sido associadas para este fim.

Na prática, continuamos seguindo as diretrizes brasileiras, e buscando níveis de LDL cada vez mais baixos para populações de risco cada vez maiores.

Referência:

Hong S-J, Lee Y-J, Lee S-J, et al. Treat-to-target or high-intensity statin in patients with coronary artery disease: a randomized clinical trial. JAMA. 2023;Epub ahead of print.