Compartilhe
O que fala a nova Diretriz de Ablação Cirúrgica e por Cateter de FA?
Escrito por
Pedro Veronese
Publicado em
2/5/2024
Recentemente, foi lançado um Consenso de Experts das seguintes entidades médicas sobre o tratamento cirúrgico e por cateter da fibrilação atrial (FA): European Heart Rhythm Association (EHRA), Heart Rhythm Society (HRS), Asia Pacific Heart Rhythm Society (APHRS) e Latin American Heart Rhythm Society (LAHRS).Trago aqui alguns pontos relevantes desse Consenso.As recomendações do documento foram divididas em:Advice TO DO: evidência ou concordância geral de que uma determinada medida é clinicamente útil e apropriada.May be appropriate TO DO: evidência ou concordância geral de que uma determinada medida pode ser clinicamente útil e apropriada.Area of uncertainty: nenhum conselho forte pode ser dado, escassez de dados, inconsistência de dados.Advice NOT TO DO: evidência ou concordância geral de que uma determinada medida não é apropriada ou é prejudicial.
Quais as principais indicações de ablação por cateter de FA sugerida pelos autores:
Pacientes com FA sintomática:- Ablação é benéfica em pacientes sintomáticos com FA paroxística recorrente ou FA persistente, resistente ou intolerante a pelo menos um antiarrítmico da Classe I ou III. Advice TO DO- Ablação é benéfica como primeira linha de tratamento em pacientes sintomáticos com FA paroxística. Advice TO DO- Ablação pode ser razoável como primeira linha de tratamento em sintomáticos com FA persistente. Area of uncertainty:Paciente com FA e ICFEr:- Ablação é benéfica em pacientes com FA e ICFEr, quando há suspeita de ser cardiomiopatia relacionada a FA (taquicardiomiopatia), para melhorar a função do ventrículo esquerdo. Advice TO DO- Ablação é razoável em pacientes selecionados com FA e ICFEr para reduzir hospitalização cardiovascular e prolongar sobrevida, sem considerar intolerância ou falência no uso prévio de antiarrítmico. May be appropriate TO DOPacientes sem sintomas relacionados a FA:- Ablação pode ser razoável em pacientes selecionados, assintomáticos, com FA paroxística recorrente ou FA persistente, após discussão aprofundada dos potenciais risco e benefícios associados. Area of uncertainty:Paciente com FA e outras arritmias associadas:- Ablação de taquicardia supraventricular (TSV) isoladamente é razoável em pacientes com TSV e FA quando a primeira é considerada trigger da última. May be appropriate TO DO- Ablação de FA é razoável em pacientes com FA e bradicardias sintomáticas ou pausas sinusais prolongadas após a interrupção da FA, para evitar implante de marcapasso. May be appropriate TO DO- Ablação do istmo cavotricuspídeo (ICT) com documentação de bloqueio bidirecional é razoável em pacientes submetidos à ablação de FA com histórico de Flutter Atrial ou indução desta arritmia no laboratório de eletrofisiologia. May be appropriate TO DOPacientes com FA e outros fatores de risco ou doenças:- É razoável manter as mesmas indicações de ablação de FA em idosos > 75 anos após se levar em conta comorbidades e preferência do paciente. May be appropriate TO DO- Ablação é razoável em pacientes com miocardiopatia hipertrófica após cuidadosa consideração dos benefícios, riscos de complicação e potencial necessidade de mais de um procedimento. May be appropriate TO DO
Comentários Cardiopapers:
- Os autores do Consenso colocam (tradução livre): “O isolamento da veia pulmonar é a base da ablação da FA. O isolamento elétrico das veias pulmonares é recomendado durante todos os procedimentos de ablação de FA, e o isolamento deve ser minimamente confirmado pela avaliação do bloqueio de entrada dentro das veias pulmonares.”
Continuam.....“Devido à alta taxa de recorrência observada em pacientes com FA persistente e persistente de longa duração apenas com isolamento das veias pulmonares, esforços foram feitos para identificar estratégias aditivas para melhorar os resultados da ablação de FA. Essas estratégias incluíram lesões lineares de radiofrequência no átrio esquerdo e átrio direito, ablação CFAE (áreas de eletrogramas fracionados), ablação de plexo ganglionar, ablação de gatilhos não veia pulmonar, isolamento do apêndice atrial esquerdo, ablação de áreas fibróticas identificadas por mapeamento de voltagem ou ressonância magnética, isolamento da parede posterior, ablação de atividade rotacional e ablação com álcool. Até agora, nenhuma destas estratégias foi amplamente adotada. Portanto, na FA persistente, a ablação além do isolamento das veias pulmonares não traz benefício claro.”Em resumo, os autores falam que a base da ablação de FA é o isolamento das veias pulmonares, porém, quando se faz somente isso no tratamento da FA persistente, a taxa de recorrência é alta e não há benefício claro em se associar outras estratégias.
- O diagnóstico de FA clínica é feito pela detecção de FA num ECG de repouso ou numa tira de ECG > 30 segundos de duração. O paciente com essa detecção e CHADSVASc ≥ 2 tem alto risco de eventos embólicos e, portanto, deve ser anticoagulado, certo? Parece não haver debate neste ponto. Mas veja o que falam os autores do Consenso (tradução livre): “Desde o primeiro consenso sobre ablação de FA publicado em 2007, o sucesso da ablação de FA foi definido de maneira dicotômica pela ausência de qualquer arritmia atrial com duração >30 segundos sem uso de antiarrítmicos. Evidências esmagadoras indicam que esse limite de 30 segundos não se correlaciona com a gravidade dos sintomas, não está associado a desfechos cardiovasculares e resulta em acentuada subestimação da eficácia do tratamento.”
Julgo contraditória esta afirmação, pois os mesmos 30 segundos que fazem o diagnóstico de FA clínica, que com CHADSVASc alto, reflete risco de graves desfechos embólicos, não têm nenhuma importância pós ablação? É outra arritmia? Mudou o risco embólico do paciente? Reforço o comentário dos autores: “30 segundos não se correlacionam com a gravidade dos sintomas, não está associado a desfechos cardiovasculares....” Contraditório, não?Quais as complicações do procedimento, mesmo feito por equipes extremamente capacitadas:
- Morte até 0,1%, fístula atrioesofágica até 0,1%, eventos tromboembólicos periprocedimento até 0,5%, tamponamento cardíaco até 1,3%, estenose de veias pulmonares até 0,5%, paralisia do frênico até 0,1%, complicações vasculares até 4% e lesão cerebral aguda assintomática até 30%. Qual a relevância deste último achado a médio e longo prazo? Não se sabe!
Gostaria de destacar mais dois pontos que me chamaram atenção:
- Mais de 75% dos autores desse consenso têm algum conflito de interesse declarado com a indústria. Destaco, é claro, que isso por si só, não impede que o profissional seja sério e ético, mas é uma informação relevante trazida no apêndice da publicação.
- Nas mais de 100 páginas deste documento a recomendação Advice NOT TO DO aparece somente uma única vez! Algo nada habitual em um consenso.
Conclusão:
A maioria dos trabalhos de ablação de FA não tem grupo controle submetido a sham procedure. Embora discutível a ética deste procedimento, que neste caso seria levar o paciente ao laboratório de eletrofisiologia, introduzir cateteres de eletrofisiologia após sedá-lo, sem de fato realizar ablação....quando não realizado, faz com que o estudo compare grupos muito diferentes, pois se desconsidera o efeito placebo e a adesão ao tratamento claramente superiores no grupo intervenção.
Como em todos procedimentos invasivos, há necessidade de se discutir com o paciente os benefícios e riscos do procedimento. Para o paciente, o que importa é a redução de desfechos clínicos. É importante que o mesmo saiba o que pode ser melhorado com o procedimento e o que não. Um exemplo disto é em relação à anticoagulação. As diretrizes atuais citam que a necessidade de anticoagulante no longo prazo não é afetada pela realização de ablação. Portanto, seja criterioso na indicação.
Segue a referência para o documento na íntegra:Tzeis S e cols. 2024 European Heart Rhythm Association/Heart Rhythm Society/Asia Pacific Heart Rhythm Society/Latin American Heart Rhythm Society expert consensus statement on catheter and surgical ablation of atrial fibrillation. Europace. 2024 Mar 30;26(4):euae043. doi: 10.1093/europace/euae043. PMID: 38587017; PMCID: PMC11000153.