O estudo da viabilidade miocárdica ajuda a guiar a melhor conduta em pacientes com disfunção ventricular grave?

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Já está bem estabelecido que a disfunção contrátil segmentar na doença arterial coronariana (DAC) nem sempre representa um processo irreversível. O estudo de viabilidade miocárdica tem se mostrado especialmente útil nos pacientes com DAC e disfunção ventricular esquerda grave influenciando a melhor abordagem para cada paciente (revascularização cirúrgica, angioplastia ou tratamento clínico).

O STICH foi um trial publicado em 2011 e projetado principalmente para examinar os resultados de pacientes com DAC e disfunção ventricular esquerda randomizados para tratamento medicamentoso apenas ou tratamento medicamentoso associado a cirurgia de revascularização miocárdica (CRM). Neste ensaio clínico ficou demonstrado que a mortalidade geral, objetivo primário do estudo, foi semelhante entre os dois grupos. Ou seja, a CRM não ofereceu benefício adicional ao tratamento clínico isolado.

Um subestudo do STICH procurou avaliar o papel da viabilidade miocárdica em identificar pacientes que poderiam ter um benefício com a CRM. Neste subestudo, não randomizado, os testes de viabilidade utilizados foram o SPECT e ecocardiograma com dobutamina. É importante observar que nem a tomografia por emissão de pósitrons (FDG-PET), estabelecida como o teste mais sensível para a viabilidade na época da inclusão no estudo, nem a ressonância magnética cardíaca (RMC) foram opções para testes de viabilidade. Dos 1.212 pacientes incluídos no STICH apenas 601 foram submetidos a testes de viabilidade. A atribuição da presença ou ausência de viabilidade foi classificada pela utilização de uma abordagem binária (viável ou não viável). Outros parâmetros importantes da função ventricular, incluindo o tamanho da cavidade, forma, espessura da parede e massa cardíaca, não foram usadas no modelo preditivo.

Os resultados deste estudo são controversos e continuam a ser uma fonte de debate vigoroso (veja este post). Existem algumas limitações importantes que devem ser enfatizadas:

- O subestudo foi não randomizado e em < 50% dos pacientes incluídos no estudo foi testada a viabilidade;

- O teste de viabilidade foi limitado a SPECT ou ecocardiograma com dobutamina;

- Houve viés inerente ao teste de viabilidade como, por exemplo, os protocolos de avaliação do SPECT que variaram entre os vários serviços;

- A presença de viabilidade foi medida de uma forma binária, ao passo que atualmente o conceito de viabilidade abrange um espectro mais largo;

- Informações auxiliares da função cardíaca, tais como geometria ventricular, volumes, espessura de parede, e fração de ejeção, não foram relatadas;

- Os clínicos não foram cegos para os resultados dos testes de viabilidade. Este fato tem o potencial de criar um dilema ético com relação à inclusão ou não de pacientes no estudo. Por exemplo, para a inclusão no estudo original (STICH) era necessária apenas a presença de DAC multiarterial com disfunção ventricular. Eventualmente, um paciente sabidamente multiarterial, com disfunção grave do VE e ausência de viabilidade poderia ser desconsiderado para inclusão no estudo e mantido em tratamento clínico.

Importante ressaltar que já foram demostrados em vários estudos observacionais a melhora da função cardíaca e da classe funcional em pacientes submetidos a revascularização miocárdica com a presença de viabilidade miocárdica. E que em pacientes com miocárdio viável, a mortalidade aumenta quando a estratégia terapêutica é a terapia medicamentosa sozinha, o que reforça a importância da identificação desses pacientes para proporcionar uma terapia eficaz.

Com as ressalvas acima citadas, devemos interpretar o STICH como um estudo com vários problemas metodológicos, incluindo a natureza não randomizada do subestudo de viabilidade. Esperamos com expectativa os resultados de um estudo em andamento, AIMI-HF (Alternative Imaging Modalities in Ischemic Heart Failure). Este estudo pretende randomizar pacientes com insuficiência cardíaca isquêmica para avaliação de isquemia e viabilidade com SPECT, RMC ou PET, e espera-se que irá lançar uma luz sobre algumas das controvérsias atuais.

Referências:

  1. Anavekar N.S, Chareonthaitawee P, Gersh BJ, et al. Revascularization in Patients With Severe Left Ventricular Dysfunction. J Am Coll Cardiol 2016;24; 2874–87.
  2. Shah BN, Khattar RS, Senior R, et al. The hibernating myocardium: current concepts, diagnostic di- lemmas, and clinical challenges in the post-STICH era. Eur Heart J 2013;34:1323–36.
  3. Desideri A, Cortigiani L, Christen AI, et al. The extent of perfusion–F18-fluorodeoxyglucose positron emission tomography mismatch de- termines mortality in medically treated patients with chronic ischemic left ventricular dysfunction. J Am Coll Cardiol 2005;46:1264–9.