Compartilhe
Lições práticas sobre os mecanismos de ação dos inibidores do SGLT2
Escrito por
Patricia Gadelha
Publicado em
10/2/2020
Os cotransportadores SGLT2 são expressos quase que exclusivamente nos rins. Eles estão presentes na primeira porção do túbulo contorcido proximal e são responsáveis por 90% da glicose reabsorvida nos rins. E os outros 10%? São reabsorvidos pelos receptores SGLT1 presentes nas porções mais distais do túbulo contorcido proximal. A cada molécula de sódio reabsorvida pelos receptores SGLT2, é reabsorvida uma molécula de glicose.
Normalmente, podemos identificar glicosúria quando os níveis séricos de glicose passam de 180 mg/dL. No entanto em indivíduos com DM2, ocorre um up regulation desse cotransportador, fazendo com que glicosúria só ocorra com valores próximos de 250mg/dL. O uso dos inibidores de SGLT2 traz o limiar de excreção renal de glicose para em torno de 80-90mg/dL, fazendo com o que o diabético apresente glicosúria a partir desses valores glicêmicos. Assim, podemos entender que o poder de glicosúria destas medicações é reduzido em pacientes com normoglicemia, bem como que o risco de hipoglicemia com estas medicações é baixo.
Em termos de potência hipoglicemiante, não é das classes mais potentes como metformina ou sulfonilureias, mas reduz a hemoglobina glicada entre 0,5 e 1%.
Além desses efeitos, também resulta numa perda de peso média de 2-3 kg. Esta costuma ocorrer nos primeiros 6 meses de tratamento e depois estabiliza. Qual seria o mecanismo? O mais simples seria explicar pela perda de glicose na urina a qual pode gerar déficit calórico de 200 kcal por dia. Contudo, parece que isso faz com que o indivíduo tenha aumento da fome o que pode fazer com que o efeito de perda de peso não se mantenha a longo prazo. Outros mecanismos possíveis para a perda de peso seriam cetogênese, estímulo à oxidação de ácidos graxos, entre outros.
Outro benefício dos iSGLT2 é que eles provocam uma queda média de 3 a 5 mmHg na PAS, sem contudo aumentar a frequência cardíaca. Um dos mecanismos através dos quais isso ocorre supostamente é a redução do tônus simpático.
Adicionalmente, outro mecanismo potencialmente benéfico dos iSGLT2 é o metabólico. Estas drogas aumentam a metabolização de cetonas e ácidos graxos livres pelo coração o que parece levar a uma melhor eficiência energética. O consumo de corpos cetônicos também parece exercer atividade anti-inflamatória. Esse efeito metabólico associado a maior reabsorção de magnésio e potássio nos rins poderia ser responsável pelo efeito dos iSGLT2 em reduzir morte súbita. A própria hiperglicemia está ligada a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona o qual por sua vez pode causar HVE e fibrose miocárdica. Estudos mostram que os iSGLT2 também podem reduzir essa ativação do SRAA.
E como os iSGLT2 protegem os rins? Ao reduzir a absorção de sódio e glicose no túbulo contorcido proximal, chega mais sódio no túbulo contorcido distal, onde está localizada a mácula densa. Isso faz com que ocorra vasoconstrição da arteríola aferente, o que reduz a pressão intraglomerular. Tal fato é benéfico por reduzir a hiperfiltração glomerular e o stress hemodinâmico causado por esta. A este processo chama-se de feedback túbuloglomerular. Assim como ocorre com inibidores da eca, nas primeiras semanas pode haver uma leve piora da função devido a este reequilíbrio. É reportado uma redução de em média 3 a 5 mL/min/1.73m² neste período. Após isso, a função renal estabiliza e os iSGLT2 reduzem a progressão da nefropatia.
Por fim, como potencial malefício metabólico com uso dessa classe de drogas, temos o achado que os iSGLT2 aumentam o LDL em 3 a 5 mg/dL, em média, mas impacto deste efeito a longo prazo ainda não é bem determinado.
Referência: Zelniker TA, Braunwald E. Mechanisms of Cardiorenal Effects of Sodium-Glucose Cotransporter 2 Inhibitors. J Am Coll Cardiol 2020.