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iSGLT2, a terapia de escolha na insuficiência cardíaca.
Escrito por
Luciano França de Albuquerque
Publicado em
29/8/2022
Os inibidores do cotransportador de sódio e glicose tipo 2 (iSGLT2) demonstraram redução dos desfechos cardiovasculares e renais em pacientes diabéticos. Considerando as diferentes propostas mecanísticas, somadas a redução de hospitalização nos trials iniciais, a classe se firmou como tratamento de escolha para pacientes com diabetes e insuficiência cardíaca. A partir de então se iniciaram os estudos clínicos específicos, objetivando colocar os iSGLT2 como terapia de escolha na insuficiência cardíaca, independente do diabetes.
Nesse cenário, os benefícios clínicos dos iSGLT2 foram primeiramente estabelecidos naqueles com fração de ejeção reduzida (ICFER), com os resultados substanciais dos estudos DAPA-HF e EMPEROR-Reduced, que levaram a classe a se tornar um dos pilares iniciais no tratamento desses pacientes.
Já na insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP), o cenário era mais difícil. Agentes classicamente usados na ICFER como os bloqueadores do sistema renina-angiotensina (iECA/BRA), espironolactona ou mesmo a associação Sacubitril-Valsartana falharam em demonstrar redução de desfechos nessa população. Com a publicação dos resultados do EMPEROR-Preserved, onde a empagliflozina reduziu o desfecho composto de hospitalização ou morte cardiovascular, os guidelines foram atualizados, incluindo os iSGLT2 para o tratamento da ICFEP, porém com um grau de recomendação mais fraco (classe IIb) em relação ao da ICFER (classe I).
Em artigo recém-publicado na NEJM, e simultaneamente apresentado no Congresso Europeu de Cardiologia, foram relatados os principais resultados do DELIVER. Este foi um grande estudo internacional, multicêntrico, randomizado onde a dapagliflozina foi comparada ao placebo em 6.263 pacientes com insuficiência cardíaca e FE > 40%. Após um seguimento de 2,3 anos, o desfecho primário foi reduzido no grupo em uso da medicação (16,4% vs 19,5%. RR 0,82; 95% CI, 0,73 a 0,92; P <0,001). A redução de 21% no agravamento da insuficiência cardíaca foi a principal responsável pelo benefício. Os resultados foram semelhantes em subgrupos pré-especificados, com benefício independente dos valores de FE e da presença ou não de diabetes. A incidência de eventos adversos foi semelhante nos dois grupos.
Pequenas diferenças podem ser notadas na comparação com o EMPEROR-Preserved. No DELIVER foram incluídos pacientes que já tinham apresentado ICFER em algum momento, mas que “melhoraram” (1.156 individuos – 18,5% da amostra). Na análise de subgrupos, não houve interação dessa variável com os resultados. Além disso, foram incluídos ainda pacientes durante a hospitalização por IC, desde que já compensados. Esse grupo já havia sido estudado separadamente nos estudos SOLOIST-WHF (sotagliflozina) e no EMPULSE (empagliflozin), que já demonstraram benefícios. Os resultados desse subgrupo não foram analisados isoladamente no DELIVER. Também não foram disponibilizados dados sobre o efeito em desfechos renais.
Quando agrupados em metanálise, os estudos DELIVER e EMPEROR-Preserved somam 12.251 participantes. Neste contexto, os iSGLT2 reduziram o desfecho composto de morte cardiovascular ou primeira hospitalização por insuficiência cardíaca (RR 0,80 [IC 95% 0,73–0,87]) com reduções em ambos os componentes: morte cardiovascular (RR 0,88 [0,77–1,00]) e primeira hospitalização por insuficiência cardíaca (RR 0,74 [0,67–0,83]). Concluindo, fica demonstrado o benefício da classe em ampla gama de pacientes, firmando os iSGLT2 como terapia de escolha na insuficiência cardíaca, independentemente da fração de ejeção.