Intervenção na miocardiopatia hipertrófica: melhor cirurgia ou hemodinâmica?

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Intervenção na miocardiopatia hipertrófica: melhor cirurgia ou hemodinâmica?

A miocardiopatia hipertrófica (CMH) é uma doença genética, autossômica dominante e importante causa de IC e morte súbita em pacientes jovens. Em pacientes que apresentam a forma obstrutiva, com espessamento septal assimétrico (>16 mm), gradiente aumentado na via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE)> 50 mmhg e sintomas limitantes a despeito de terapia otimizada, uma opção a ser considerada é o tratamento cirúrgico. Lembrando do tratamento geral da miocardiopatia hipertrófica (imagem do nosso livro Mapas mentais para a prova de título de cardiologia):

Existem duas técnicas que visam basicamente à redução do gradiente obstrutivo na VSVE e consequente redução dos sintomas:

  1. A miectomia, que consiste na retirada cirúrgica de parte do septo inteventricular basal através de cirurgia cardíaca aberta e com circulação extra-corpórea. E a...
  2. ablação septal alcóolica (ASA), que consiste na indução em um infarto miocárdico septal através da infusão de solução alcóolica em ramos septais da coronária esquerda. Nessa técnica, o infarto “iatrogênico” leva inicialmente à redução de força hidrodinâmica na VSVE e mais tardiamente (2-3 meses) a um afilamento e fibrose do septo, com redução do gradiente.

A escolha entre miectomia e ASA envolve diversos fatores: idade, espessura septal, comorbidades e anatomia dos ramos septais da coronária esquerda. Habitualmente, em pacientes jovens, com baixo risco cirúrgico e septos > 25 mm a escolha é pela miectomia. Em pacientes idosos, com comorbidades, risco cirúrgico elevado e anatomia favorável, a ASA tem predileção.

A comparação em relação aos benefícios de longo prazo de ambas as técnicas ainda é motivo de debate, a maioria dos estudos tem “n” pequeno e poder estatístico limitado para maiores conclusões além da geração de hipóteses. Para tentar esclarecer essa questão, foi publicado no JACC um importante estudo com seguimento de longo prazo desses pacientes. Destaco aqui os pontos mais importantes:

  1. Estudo de coorte retrospectiva com 3.859 pacientes avaliados em centros nos EUA e China com equipes cirúrgicas experientes (> 300 miectomias, > 150 ASA). Com seguimento médio de 6,4 anos, foram avaliados 3.274 casos de miectomia e 585 casos de ASA.
  2. A mortalidade operatória (<30 dias) foi 0,3% no grupo miectomia e 0,7% no grupo ASA, demonstrando a segurança dos procedimentos quando realizados em centros com expertise
  3. Os pacientes submetidos a ASA são em geral mais velhos e com mais comorbidades (has, dm2, irc, dac)
  4. A ablação septal alcóolica apresentou maior mortalidade por todas as causas em longo prazo (26% vs 8%), especialmente a partir do terceiro ano, e essa tendência se manteve mesmo após ajustes por idade e comorbidades (HR: 1.68; 95% CI: 1.29-2.19; P < 0.001).

E aí, podemos concluir que a miectomia é superior à ablação septal alcóolica? Não é bem assim! Vamos com calma. Em primeiro lugar, trata-se de um estudo observacional e retrospectivo. Esse desenho habitualmente carrega vieses de seleção e não é o método adequado para comparação de duas técnicas intervencionistas (aí teria que ser um estudo clínico prospectivo, randomizado). Em segundo lugar, outras variáveis não listadas na tabela acima podem ter influenciado o desfecho, tais como implante de cdi (isso não foi avaliado), câncer e doenças sistêmicas mais comuns no idoso. De todo modo, é um estudo robusto, que traz dados importantes que nos ajudam na decisão compartilhada com o paciente sobre qual caminho seguir.

Referência:

Cui et al. Journal of the American College of Cardiology, Volume 79, Issue 17, 3 May 2022, Pages 1656-1659