Infertilidade e doença cardiovascular. Você sabia dessa associação?

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Infertilidade e doença cardiovascular. Você sabia dessa associação?

A infertilidade é uma condição comum com prevalência entre 9 e 18% da população geral. Mulheres portadoras de infertilidade frequentemente tem aumento de fatores de risco e podem ter aumento de risco de eventos cardiovasculares.

Vamos aos estudos...

Uma metanálise1 avaliou mulheres de uma mesma faixa etária com e sem infertilidade e mostrou o aumento de fatores de risco para doença cardiovascular (DCV) como obesidade e aumento dos lipídes (colesterol total, LDL e triglicerídeos), mas não da glicemia de jejum e resistência à insulina, nem da pressão arterial. Nessa mesma metanálise, um único estudo avaliou o risco de DCV (doença cardíaca coronária, acidente vascular cerebral ou insuficiência cardíaca) e encontrou aumento do risco em mulheres que experimentaram infertilidade por pelo menos 5 anos em comparação com mulheres férteis (HR 1,35, 1,16–1,57; P < 0,0001)2.

Síndrome dos ovários policísticos

As mulheres com SOP apresentam maior risco de ocorrência de obesidade, hipertensão arterial, intolerância à glicose, dislipidemia e apneia obstrutiva do sono3. Dentre as alterações metabólicas, a obesidade está presente em cerca de 50%, a resistência à insulina ocorre em 60% a 95%, levando à intolerância à glicose em 31% a 35% e diabetes melito tipo 2 em 7,5% a 20% dessas mulheres, mas a dislipidemia é a anormalidade metabólica mais frequente na SOP, apresenta-se geralmente com baixos níveis de HDL e altas concentrações de triglicérides, podendo também cursar com aumento do LDL.

O estudo prospectivo CARDIA (Coronary Artery Risk Development in Young Adults) no seu 20º ano de seguimento avaliou a associação de SOP (hiperandrogenismo e anovulação presentes) com o desenvolvimento de calcificação de artérias coronárias e com a espessura da camada média intimal carotídea, quando hiperandrogenismo e anovulação estavam presentes o risco de DCV subclínica foi bastante elevado (OR 2.70, IC 95%: 1,31 – 5,60)4.

Outra meta-análise5 com 10 estudos e 166.682 mulheres incluídas, mostrou um aumento de risco de infarto agudo do miocárdio, doença isquêmica e acidente vascular encefálico (OR 1.66, IC 95%: 1,32 – 2,08), mas não de mortalidade cardiovascular ou por todas as causas nas pacientes portadoras de SOP.

Endometriose

Já a endometriose tem uma prevalência que pode chegar a 10% da população e com ela ocorre um processo inflamatório crônico mediado por substâncias como molécula de adesão intracelular (ICAM-1), interleucina 1 e 6 (IL-1 e IL6), fator de necrose tumoral (TNF-a) e fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF) que induzem o aumento do estresse oxidativo e do LDL, com subsequente efeito aterogênico.6

Endometriose está associada a fatores de risco bem estabelecidos de DCV como hipertensão e dislipidemia com perfil aterogênico maior, e há também estudos mostrando a aumento do risco de tromboembolismo venoso, doença arterial coronária, insuficiência cardíaca e acidente vascular encefálico.7

Um estudo retrospectivo inglês8 com 56.090 mulheres, utilizou como desfecho primário um composto de doença isquêmica do coração, insuficiência cardíaca e doença cerebrovascular e estabeleceu a associação com a endometriose (OR 1.24, 95% IC 1.13 – 1.37), colocando-a como fator de risco para DCV. Um outro estudo prospectivo mostrou que a endometriose aumenta o risco de IAM / angina do peito e revascularização cirúrgica e percutânea.9

Tratamento para infertilidade.

A própria terapia de fertilização sabidamente aumenta o risco de desordens hipertensivas na gestação, mas ainda não sabemos se há aumento do risco de DCV futura nestas pacientes.10 Uma publicação tentou responder essa questão, foram agrupadas as síndromes coronárias agudas, acidente vascular encefálico, tromboembolismo venoso, HAS e DM nas mulheres que se submeteram ao tratamento de fertilização, não houve aumento do risco de eventos combinados, mas essa revisão sistemática tinha apenas 6 estudos, muito heterogêneos, sem poder estatístico para nos dar uma evidência definitiva.11

A faixa etária reprodutiva é um momento importante para se determinar o risco cardiovascular futuro das mulheres, e é nesta época que devemos estar mais atentos para diagnósticos que normalmente não entram nos escores de risco cardiovascular tradicionais, e talvez estratificar essas mulheres de forma diferente para prevenção efetiva da DCV.

Referências:

  1. Mulder CL, Lassi ZS, Grieger JA, Ali A, Jankovic‐Karasoulos T, Roberts CT, Andraweera PH. Cardio‐metabolic risk factors among young infertile women: a systematic review and meta‐analysis. BJOG 2020;127:930–939.
  2. Parikh NI, Cnattingius S, Mittleman MA, Ludvigsson JF, Ingelsson E. Subfertility and risk of later life maternal cardiovascular disease. Hum Reprod. 2012 Feb;27(2):568-75.
  3. Malachias, MVB. Polycystic Ovary Syndrome and Cardiovascular Diseases: Still an Open Door. Arquivos Brasileiros de Cardiologia [online]. 2019, v. 112, n. 4 [Accessed 7 January 2023], pp. 430-431. Epub 15 Apr 2019. ISSN 1678-4170.
  4. Calderon-Margalit R. Siscovick D. Merkin S.S. Wang E. Daviglus M.L. Schreiner P.J. et al. Prospective association of polycystic ovary syndrome with coronary artery calcification and carotid-intima-media thickness: the coronary artery risk development in young adults women's study. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2014; 34: 2688-2694
  5. Zhang J, Xu J-H, Qu Q-Q and Zhong G-Q (2020) Risk of Cardiovascular and Cerebrovascular Events in Polycystic Ovarian Syndrome Women: A Meta-Analysis of Cohort Studies. Front. Cardiovasc. Med. 7:552421.
  6. Kvaskoff M, Mu F, Terry KL, Harris HR, Poole EM, Farland L, Missmer SA. Endometriosis: a high-risk population for major chronic diseases? Hum Reprod Update. 2015 Jul-Aug;21(4):500-16.
  7. Benjamin Marchandot, Anais Curtiaud, Kensuke Matsushita, Antonin Trimaille, Aline Host, Emilie Faller, Olivier Garbin, Chérif Akladios, Laurence Jesel, Olivier Morel, Endometriosis and cardiovascular disease, European Heart Journal Open, Volume 2, Issue 1, January 2022, oeac001, https://doi.org/10.1093/ehjopen/oeac001
  8. Okoth K, Wang J, Zemedikun D, Thomas GN, Nirantharakumar K, Adderley NJ. Risk of cardiovascular outcomes among women with endometriosis in the United Kingdom: a retrospective matched cohort study. BJOG 2021; 128:1598–1609.
  9. Mu F, Rich-Edwards J, Rimm EB, Spiegelman D, Missmer SA. Endometriosis and Risk of Coronary Heart Disease. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2016;9(3):257-264.
  10. Risk of Hypertensive Disorders in Pregnancy After Fresh and Frozen Embryo Transfer in Assisted Reproduction: A Population-Based Cohort Study With Within-Sibship Analysis. Sindre H. Petersen, Kjersti Westvik-Johari, Anne Lærke Spangmose, Anja Pinborg, Liv Bente Romundstad, Christina Bergh, Bjørn Olav Åsvold, Mika Gissler, Aila Tiitinen, Ulla-Britt Wennerholm, Signe Opdahl. Hypertension 26 Sep 2022. doi.org/10.1161/HYPERTENSIONAHA.122.19689
  11. Dayan N, Filion KB, Okano M, Kilmartin C, Reinblatt S, Landry T, Basso O, Udell JA. Cardiovascular Risk Following Fertility Therapy: Systematic Review and Meta-Analysis. J Am Coll Cardiol. 2017 Sep 5;70(10):1203-1213. doi: 10.1016/j.jacc.2017.07.753. PMID: 28859782