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Implante de marca-passo: o que fazer com os anticogulantes e antiagregantes?
Escrito por
Nestor Oliveira Neto
Publicado em
13/1/2021
Dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEI), que inclui marca-passos e cardiodesfibriladores (CDI), são dispositivos de uso comum, com cerca de 1,5 milhão de implantes no mundo anualmente. Cerca de um quarto a um terço dos portadores de DCEI fazem uso anticoagulantes por longo prazo, por vários motivos como fibrilação atrial, prótese valvar mecânica, trombo intracavitário, tromboembolismo prévio, entre outras.
Uma dúvida frequente é de como proceder no caso de pacientes que fazem uso de anticoagulantes e antiagregantes e que serão submetidos a cirurgia eletiva de DCEI (implante de sistema, troca de gerador ou caboeletrodos). Neste caso, deve-se pesar bem o risco de trombose e hemorragia durante o período perioperatório. A descontinuação da terapia antitrombótica pode acarretar aumento do risco de tromboembolismo.
O hematoma de loja é a complicação hemorrágica mais comum, ocorrendo em cerca de 5% dos pacientes submetidos a implante de DCEI, é associada a maior tempo de internação, necessidade de reoperação (drenagem e revisão da hemostasia) e maior ocorrência de infecções relacionadas ao sistema de estimulação. A incidência de hematoma aumenta substancialmente nos pacientes em uso de anticoagulantes.
Resumimos a seguir as recomendações sobre como proceder em caso de paciente em uso crônico de anticoagulantes orais e antiplaquetários submetido a implante DCEI:
ANTAGONISTAS DA VITAMINA K
O estudo randomizado BRUISE CONTROL-1 demonstrou que realizar cirurgia de DCEI com a manutenção do anticoagulante oral (varfarina) em pacientes com risco de tromboembolismo anual predito de >5% foi associado a uma redução de 80% na incidência de hematoma de loja, comparado a estratégia de suspender a varfarina e fazer ponte com heparina (hematoma de loja: 3,5% x 16%). A terapia contínua com varfarina, com um INR pré-operatório médio de 2,3 (intervalo interquartil, 2,0 a 2,6, critério de inclusão se INR < 3), não foi associada a nenhum evento hemorrágico perioperatório importante.
Neste cenário, a seguinte conduta pode ser adotada:
*ACO-anticoagulante oral, TB-tromboembolismo. Baixo risco de tromboembolismo: pacientes com fibrilação atrial (FA) e CHA2DS2-VASc ≤2. Alto risco de tromboembolismo: pacientes com fibrilação atrial (FA) e CHA2DS2-VASc >3, prótese metálica mitral, prótese metálica aótica e FA, tromboembolismo recente, ou trombo intracavitário.
Portanto, para pacientes com alto risco tromboembólico, a terapia contínua com varfarina deve ser preferida em vez da ponte com heparina, uma vez que esta é associada a aumento o risco de sangramento, hematoma de loja e maiores custos em cuidados. O uso de heparina parenteral após o implante é associado a maior ocorrência de hematoma de loja.
ANTICOAGULANTES ORAIS DIRETOS (DOACS)
Procedimentos de DCEI são considerados intervenções cirúrgicas de risco baixo de sangramento. Tem sido recomendado a suspensão dos DOACS 24 a 48 h antes da intervenção, dependendo da função renal (a meia vida aumenta com a redução da função renal) e do DOAC que é utilizado.
Entretanto, o estudo BRUISE CONTROL-2 não encontrou diferenças na ocorrência de hematoma de loja clinicamente significativo entre manter o uso de DOAC ou realizar a interrupção do anticoagulante antes do procedimento, sendo baixo o risco de hematoma nas duas estratégias (2,1%).
Para ver maiores detalhes sobre a suspensão de DOAC antes de procedimentos cirúrgicos, acesse esse post nosso.
ANTIAGREGANTES
Os antiplaquetários são agentes usados frequentemente por pacientes que realizam cirurgia de DCEI e aumentam o risco de sangramentos relacionados ao procedimento, principalmente quando usados em combinação (dupla agregação) ou com anticoagulantes. A terapia combinada no momento do procedimento cirúrgico deve ser evitada quando for possível (por exemplo, na ausência de stent recente), com interrupção temporária do agente antiplaquetário.
O seguinte esquema pode ser recomendado quanto ao manuseio de antiagregantes em pacientes submetidos a procedimentos eletivos de DCEI. Porém, estudos randomizados são necessários para definir com maior o grau de evidência qual a melhor abordagem.
Referências
- Alturki A. Management of antithrombotic therapy during cardiac implantable device surgery. Journal of Arrhythmia 32 (2016) 163–169.
- Birnie DH, et al. Pacemaker or defibrillator surgery without interruption of anticoagulation. New Engl J Med 2013;368:2084–93.
- Doherty JU, et al.2017 ACC Expert Consensus DecisionPathway for Periprocedural Management of Anticoagulation in Patients With Nonvalvular Atrial Fibrillation: A Report of the American College of Cardiology Clinical Expert Consensus Document Task Force. J Am Coll 2017 Feb 21;69(7):871-898.
- Birnie DH, et al. Continued vs. interrupted direct oral anticoagulants at the time of device surgery, in patients with moderate to high risk of arterial thromboembolic events(BRUISE CONTROL-2). European Heart Journal (2018) 00;1–8.