Compartilhe
Idosos com diabete têm maior risco de progressão da IC?
Escrito por
Jefferson Vieira
Publicado em
23/9/2022
Diabetes e insuficiência cardíaca (IC) são altamente prevalentes e fortemente associadas – até 1/3 dos pacientes com IC tem diabetes. A influência do diabetes na progressão de estágios pré-clínicos da IC (estágios A e B) para a IC manifesta (estágios C e D), no entanto, é pouco compreendida.
Os estágios da IC foram revisados na nova Definição e Classificação Universal da IC (Mais detalhes em: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/definicao-universal-de-ic/ ) para enfatizá-la como uma síndrome clínica, e são eles:
Estágio A – Pacientes com fatores de risco para desenvolverem IC, incluindo aqueles com DAC, diabetes, hipertensão, obesidade e doença renal crônica
Estágio B – Pacientes com doença estrutural cardíaca assintomáticos, chamados de pré-IC
Estágio C – Pacientes com doença estrutural cardíaca e sintomas (atuais ou prévios)de IC
Estágio D – IC avançada, refratária as medidas convencionais
Recentemente, um estudo publicado no JACC tentou caracterizar melhor essa ligação entre IC e diabetes avaliando 4.774 indivíduos do levantamento prospectivo ARIC*, com média de 75 anos (58% mulheres e 20% negros) que tinham diagnóstico de IC pré-clínica (32% no estágio A). Após um seguimento médio de 7,5 anos, o estudo demostrou um risco 5 vezes maior de progressão da IC em indivíduos do estágio B com HbA1C ≥7% do que naqueles do estágio A sem diabetes, especialmente em pacientes com ≥10 anos de história de diabetes. Outro achado interessante foi que em pacientes com diabetes, a idade de início da IC era mais precoce e o tempo de transição entre os estágios foi mais curto. Em ambos os estágios pré-clínicos da IC, os indivíduos com diabetes eram mais propensos a serem negros, usarem medicamentos antihipertensivos ou hipolipemiantes, apresentarem níveis mais altos de colesterol LDL ou triglicerídeos e níveis mais baixos de colesterol HDL.
Conceitualmente, indivíduos no estágio B já são mais propensos a evoluírem para IC sintomática; entretanto, quando comparados somente com aqueles do seu próprio estágio (A ou B), pacientes com HbA1C ≥7% apresentaram um risco relativo significativamente maior de um evento clínico de IC em comparação com aqueles sem diabetes, mesmo após ajuste multivariado. Esses achados foram independentes de outros fatores de risco cardiovascular incluídos na analise multivariada e, portanto, sugerem que o controle rigoroso do diabetes no início do processo de IC seja fundamental.
Vários mecanismos isquêmicos e não-isquêmicos podem explicar os efeitos do diabetes na progressão da IC; os mecanismos não-isquêmicos envolvem toxicidade direta da glicose, lipotoxicidade, aumento da glicação tecidual levando a fibrose aumentada, resistência à insulina no tecido cardíaco, disfunção mitocondrial e desordens autonômicas. Outras vias propostas incluem anormalidades vasomotoras coronarianas relacionadas à hiperglicemia, disfunção endotelial e angiogênese alterada.
O estudo não avaliou se alguma terapia antidiabetogênica, como sulfonilureias ou insulinas por exemplo, foi mais ou menos associada ao desfecho; nem investigou o impacto da variabilidade glicêmica, que não é corretamente representada pela HbA1c. Ainda assim, é um estudo importante que reforça a importância do controle glicêmico como ferramenta de prevenção da IC.
* Você conhece o ARIC?
O ARIC (Atherosclerosis Risk In Communities) é um estudo epidemiológico prospectivo realizado em 4 comunidades dos EUA, iniciado entre 1987 e 1989, que acompanha uma coorte originalmente de mais de 15 mil adultos para investigar as causas e desfechos da DAC. O ARIC é financiado pelo NIH e já resultou em mais de 2 mil publicações com impacto clínico na documentação de tendências comunitárias e mortalidade por DAC e IC; esforços futuros se concentrarão no risco cardiovascular e nos desfechos no final da vida, incluindo declínio cognitivo e funcional relacionado ao envelhecimento.
Echouffo-Tcheugui J, Ndumele C, Zhang S, et al. Diabetes and Progression of Heart Failure. J Am Coll Cardiol. 2022 Jun, 79 (23) 2285–2293.https://doi.org/10.1016/j.jacc.2022.03.378