Compartilhe

Em comparação com indivíduos com peso normal, aqueles com obesidade, definida como um índice de massa corporal (IMC) ≥ 30 kg/m2, experimentam eventos de doença cardiovascular (DCV) em uma idade mais precoce e têm uma expectativa de vida média mais curta. O excesso de adiposidade acelera a aterosclerose e promove alterações na estrutura e função cardíaca por meio de efeitos deletérios no miocárdio, e por meio de comorbidades relacionadas à obesidade, incluindo hipertensão, dislipidemia e diabetes mellitus tipo 2. Embora o aumento do IMC esteja associado ao aumento do risco de morbidade e mortalidade entre as populações, o risco de DCV não é uniforme para indivíduos com IMC semelhante. A literatura tem atribuído tal fato a uma distribuição adversa da gordura corporal, com maior deposição de gordura ectópica, associada à inflamação e disfunção orgânica.
Mais recentemente, a infiltração de gordura intermuscular (IMAT) ou mioesteatose tem sido associada a situações adversas como resistência insulínica, diabetes tipo 2 e maior incidência de eventos cardiovasculares. Estudos sugerem que a IMAT tem perfil metabólico pro-inflamatório, com maior expressão de interleucina-6 e fator de necrose tumoral, com repercussões diretas na saúde vascular.
Neste contexto, um estudo recente, publicado no European Heart Journal, reforça o papel da IMAT como fator de risco para eventos cardiovasculares. Foram avaliados 669 pacientes, submetidos a avaliação para doença arterial coronariana por PET-CT com estresse demonstrando perfusão normal e fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada acompanhadas em uma mediana de 6 anos. O desfecho primário foi a ocorrência de eventos cardiovasculares maiores (MACEs), incluindo morte e hospitalização por infarto do miocárdio ou insuficiência cardíaca, além da medida da reserva de fluxo coronariano. As medidas de tecido adiposo subcutâneo (SAT), musculatura esquelética (SM) e IMAT (cm2) foram obtidas a partir da imagem de PET-CT, na altura da 12ª vertebra torácica.
Quase metade dos pacientes eram obesos (46%, IMC 30–61 kg/m2) e o IMC correlacionou-se fortemente com o SAT e o IMAT (r = 0,84 e r = 0,71, respectivamente, P < 0,001) e moderadamente com SM (r = 0,52, P < 0,001). A diminuição da SM e o aumento do IMAT, mas não o IMC ou o SAT, permaneceram independentemente associados com diminuição da reserva de fluxo coronariano (ajustado P = 0,03 e P = 0,04, respectivamente). Em análise ajustada, IMAT mais alto foi associado ao aumento do MACE. Um aumento de 1% na fração de gordura muscular torácica eleva em 2% as chances de disfunção microvascular coronariana e em 7% o risco de eventos cardiovasculares maiores. Por outro lado, maior SM e SAT foram fatores protetores. Essas associações foram independentes do IMC.
Os achados reforçam a importância de uma avaliação de composição corporal, complementar ao IMC, na avaliação de pessoas com obesidade. A literatura já apresentou dados relacionando risco cardiovascular com conteúdo intramuscular de gordura em outros sítios, o que corrobora ainda mais os achados atuais. O controle do peso corporal e a pratica de atividade física são as principais medidas na redução da gordura intra-muscular e na melhora da distribuição corporal de gordura.
Referência: Souza, A.C.A.H., Troschel, A.S., Marquardt, J.P., Hadžić, I., Foldyna, B., Moura, F.A., Hainer, J., Divakaran, S., Blankstein, R., Dorbala, S., Di Carli, M.F., Aerts, H.J.W.L., Lu, M.T., Fintelmann, F.J., Taqueti, V.R. "Skeletal muscle adiposity, coronary microvascular dysfunction, and adverse cardiovascular outcomes." European Heart Journal (2024): 00, 1–12. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehae827