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Fibrilação atrial: controlar a frequência cardíaca ou o ritmo?
Escrito por
Pedro Veronese
Publicado em
6/9/2020
Um novo estudo apresentado no Congresso Europeu 2020 e publicado no NEJM foi desenhado para responder esta pergunta (August 29, 2020 DOI: 10.1056/NEJMoa2019422).
Pacientes com fibrilação atrial (FA) recente (diagnóstico ≤ 1 ano no momento da inclusão no estudo) foram randomizados para receber controle de ritmo precoce vs cuidados usuais. A estratégia de controle precoce incluía o uso de antiarrítmicos ou ablação logo após a randomização objetivando o ritmo sinusal. A estratégia usual consistia no controle de frequência, sendo o controle de ritmo instituído apenas nos pacientes com sintomas refratários. Os pacientes do grupo controle precoce do ritmo enviavam um eletrocardiograma duas vezes por semana ou quando apresentavam sintomas.
Os critérios de inclusão foram pacientes com FA recente e idade > 75 anos, que tinham tido acidente vascular cerebral (AVC) – ataque isquêmico transitório (AIT) prévio ou reuniam dois dos seguintes critérios: idade > 65 anos, sexo feminino, insuficiência cardíaca, hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, doença de artéria coronária grave, doença renal crônica (cl entre 15 a 59 ml/min/1,73m2) e hipertrofia ventricular esquerda (septo > 15 mm).
O primeiro desfecho primário combinado era composto de morte cardiovascular, AVC, ou hospitalização com piora da insuficiência cardíaca ou síndrome coronariana aguda. O segundo desfecho primário era o número de noites passadas em hospital por ano. O desfecho primário combinado de segurança era composto de morte, AVC ou sérios eventos adversos relacionados à terapia de controle de ritmo. Os desfechos secundários incluíam sintomas e função do ventrículo esquerdo.
O estudo randomizou 2.789 pacientes de 135 centros com tempo médio de diagnóstico da FA de 36 dias. O estudo foi interrompido devido à eficácia com um seguimento médio de 5,1 anos por paciente. O primeiro desfecho primário foi favorável ao grupo de controle de ritmo precoce, HR 0,79; intervalo de confiança 96%, 0,66 a 0,94; (P = 0,005). O número de noites passadas no hospital não diferiu entre os grupos de forma significativa (P = 0,23).
A porcentagem de pacientes com desfecho primário de segurança não diferiu entre os grupos de forma significativa. Entretanto, eventos adversos graves relacionados ao controle de ritmo ocorreram em 4,9% dos pacientes do grupo precoce vs 1,4% do grupo cuidado usual. Entre eles, destacam-se: toxicidade dos antiarrítmico, tamponamento cardíaco e sangramentos maiores relacionados a ablação. Não houve diferença de sintomas ou de função ventricular entre os grupos.
Conclusão dos autores:
A terapia de controle de ritmo precoce foi associada a um menor risco de desfechos cardiovasculares, quando comparada ao tratamento usual, entre pacientes com FA de início recente e certas condições cardiovasculares.
Comentário Cardiopapers:
As estratégias comparadas pelo estudo não puderam ser cegadas, o que se configura uma limitação do estudo.
Os resultados apresentados não devem ser extrapolados para pacientes com FA tardia (> 1 ano de diagnóstico).
A ablação de FA foi realizada em quase 20% dos pacientes do grupo controle de ritmo precoce vs 7% do grupo cuidado usual. Quando optado pelo tratamento invasivo, este deve ser realizado por grupos experientes para minimizar os riscos de complicações como tamponamento cardíaco e sangramentos graves. As baixas taxas dessas complicações neste estudo refletem a expertise de centros europeus.
Outro ponto importante a ser destacado é o uso significativo, no grupo controle de ritmo precoce, de fármacos antiarrítmicos que não dispomos no Brasil, ex: flecainida e dronedarona.