Fibratos reduzem risco cardiovascular no paciente diabético?

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Fibratos reduzem risco cardiovascular no paciente diabético?

O padrão clássico de dislipidemia nos pacientes diabéticos é:

  • triglicerídeos (TG) elevados, colesterol HDL baixo, colesterol LDL quantitativamente normal mas com a qualidade alterada (partículas pequenas e densas).

Estatinas mostraram ser bastante eficazes na redução de risco cardiovascular de pacientes diabéticos mas mesmo assim, esses pacientes ainda apresentam um risco residual significante. Trials prévios haviam mostrado resultados controversos em relação ao poder de fibratos em reduzir risco cardiovascular na população diabética. Devido a isto, foi desenvolvido o trial Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes (ACCORD). Este trial avaliou tanto o efeito do uso de fibratos associado a estatinas quanto o impacto do tratamento anti-hipertensivo mais agressivo neste grupo de pacientes. Hoje avaliaremos o trial ACCORD lipids.

Tratou-se de ensaio clínico randomizado, duplo-cego, multicêntrico. Os pacientes tinham DM2 e hemoglobina glicada maior ou igual a 7,5%. Havia pacientes de prevenção secundária (eventos CV prévios) e de prevenção primária (ausência de eventos prévios mas com fatores de risco para tal, além do DM). Todos os pacientes receberam sinvastatina. Os pacientes então eram randomizados para usar fenofibrato ou placebo. O endpoint primário era o tempo para ocorrência de um evento cardiovascular maior (IAM, AVC, morte cardiovascular).

Um total de 5.518 pacientes foram randomizados os quais foram seguidos por um tempo médio de 4,7 anos.

Resumo dos resultados:

  • Não houve redução de desfechos com o uso de fibrato.
  • Em relação ao perfil lipídico, o grupo do fenofibrato não teve redução adicional do LDL em relação ao grupo placebo. Já em relação aos outros lípides houve melhora de padrão: CT e TG reduziram e HDL subiu.
  • Na análise de subgrupos, a população com TG > 204 e HDL < 34 teve evidência de melhora com o uso do fenofibrato.

Ou seja, vemos a partir de estudo grande que não houve benefício do uso de fibratos associado à terapia padrão com estatinas em pacientes diabéticos. A conclusão dos autores do estudo é bem direta:

"In conclusion, we found that combination therapy with the use of fenofibrate and simvastatin (at a daily dose of 40 mg or less) did not reduce rates of cardiovascular disease, as compared with simvastatin alone. Our findings do not support the use of combination fibrate–statin therapy, rather than statin therapy alone, to reduce cardiovascular risk in the majority of patients with type 2 diabetes who are at high risk for cardiovascular disease."

Mas será que vale a pena usar a medicação neste subgrupo falado acima (TG acima de 204 e HDL abaixo de 34)? Temos sempre que lembrar que quem muda nossa conduta é o desfecho primário. Quando esse é positivo e o trial foi bem feito, podemos considerar aplicar aquela conduta a nossa prática. Neste cenário, a análise de subgrupos pode nos ajudar a individualizar melhor a terapia. Exemplo: no estudo Triton o uso de prasugrel mostrou vantagens em relação ao do clopidogrel. Assim sendo, posso considerar adotar a conduta na minha rotina. Quando vejo a análise de subgrupos, identifico que algumas populações como os pacientes com menos de 60 kg e com >75 anos não tiveram vantagem com o uso do prasugrel. E ainda, no grupo de pacientes com histórico de AVC prévio, o resultado foi pior com a nova medicação. Ou seja, na prática os guidelines e a própria bula do remédio orientam que a medicação seja evitada nestes subgrupos. Já quando um trial tem resultado primário negativo, a nova conduta proposta não obteve êxito em descartar a hipótese nula. A teoria da hipótese nula indica que dois tratamentos não são diferentes até que se prove diferente, por exemplo, através de um ensaio clínico. Se não consegui afastar a hipótese nula, não vou adotar aquela conduta na minha prática. Neste caso de estudos negativos, a análise de subgrupo serve apenas para levantar hipóteses. É o caso deste subgrupo do ACCORD lipids. Apesar disso, a diretriz brasileira de DLP de 2017 sugere:

  • Em pacientes com triglicérides acima de 204 mg/dL associdados ao colesterol da lipoproteína de alta densidade baixa (HDL < 34 mg/dL), o uso de fibrato, isoladamente ou em associação a estatinas, pode ser considerado (Grau de Recomendação IIa; Nível de Evidência: A).

Por isso é importante lembrarmos sempre que diretrizes devem servir apenas para guiar nossa conduta. O ideal é saber de onde vem as recomendações das diretrizes e, com esses dados em mãos, decidir se vamos ou não implementar aquela recomendação na prática clínica. No nosso curso online de dislipidemias discutimos em detalhes todas essas evidências e julgamos criticamente as recomendações das diretrizes nacionais e internacionais.