Compartilhe
FE levemente reduzida pós SCA: devemos ficar atentos a este grupo de pacientes!
Escrito por
Remo Holanda
Publicado em
13/12/2022
A fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo é um dos principais marcadores prognósticos após uma síndrome coronária aguda (SCA). Sabe-se que pacientes com FE ≤ 40% apresentam elevada taxa de mortalidade, de modo que terapias como os betabloqueadores e os antagonsitas do sistema renina-angiotensina-aldosterona são fortemente recomendadas nesta população. Entretanto, um subgrupo que não pode ser negligenciado é o de pacientes com FE levemente reduzida (isto é, com FE entre 41-49%) pós SCA. Mas como seria o prognóstico a longo prazo deste grupo particular de pacientes?
Este assunto foi tema de um estudo publicado por Furtado e cols. no periódico ESC Heart Failure. A partir de um banco de dados unicêntrico do InCor da FMUSP, os pesquisadores avaliaram de forma retrospectiva 3200 pacientes que receberam alta pós SCA e tiveram a FE avaliada por ecocardiograma durante a internação. Os pacientes foram divididos em 3 grupos: FE normal (≥ 50%), FE levemente reduzida (41-49%) e FE reduzida (≤ 40%). Após um seguimento mediano de 4,3 anos, a presença de FE reduzida, como esperado, se associou a uma maior mortalidade a longo prazo comparado a pacientes com FE normal (hazard ratio [HR] 1,64; intervalo de confiança [IC] 95% 1,36-1,96; P < 0,001). Além disso, a presença de FE levemente reduzida pós SCA também se associou a uma maior mortalidade comparada à FE normal (HR 1,33; IC 95% 1,05-1,68; P = 0,019). Um fato interessante foi que não houve diferença estatisticamente significativa na mortalidade de pacientes com FE reduzida comparados àqueles com FE levemente reduzida (HR 1,23; IC 95% 0,96-1,58; P = 0,095), embora este último achado possa ser explicado pelo reduzido poder do estudo em achar tal diferença, ou pela escolha das variáveis utilizadas nos modelos ajustados. Análises de sensibilidade utilizando FE medida pela ventriculografia esquerda resultaram em achados similares.
Diante de tais achados, o que concluir? Em primeiro lugar, não podemos esquecer que este foi um estudo de coorte retrospectivo e, portanto, sujeito a muitos vieses inerentes, como vieses de confundimento e também seguimento inadequado de parte da amostra. Além disso, os pacientes não tiveram avaliação seriada da FE, nem das causas de morte (é de se esperar, por exemplo, que a mortalidade cardiovascular predomine em pacientes com FE reduzida, sendo o oposto naqueles com FE normal). Por último, apesar de ter um tamanho razoável, foi um estudo unicêntrico.
Entretanto, apesar de tais limitações, o estudo reforça o prognóstico desfavorável da FE levemente reduzida pós SCA, que se aproxima ao dos pacientes com FE reduzida. Por conta disso, é importante ter em mente que este grupo de pacientes deve ter atenção especial, sobretudo no tocante ao uso adequado de tratamentos capazes de impactar na história natural da disfunção do VE pós SCA. Além disso, reforça a necessidade de mais estudos avaliando esta população, sobretudo de novas terapias anti-remodelamento.
Moral da história: não negligencie a gravidade de pacientes com FE levemente reduzida pós SCA. Afinal, a própria definição do “ponto de corte” para caracterizar a FE normal ou preservada tende a sofrer mudanças nos próximos anos.
REFERÊNCIA
Furtado RHM, Juliasz MG, Chiu FYJ, Bastos LBC, Dalcoquio TF, Lima FG, Rosa R, Caporrino CA, Bertolin A, Genestreti PRR, Ribeiro AS, Andrade MC, Giraldez RRCV, Baracioli LM, Zelniker TA, Nicolau JC. Long-term mortality after acute coronary syndromes among patients with normal, mildly reduced, or reduced ejection fraction. ESC Heart Fail. 2022 Oct 23. doi: 10.1002/ehf2.14201. Epub ahead of print. (https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ehf2.14201)