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Extrassístoles ventriculares no teste ergométrico: e agora?
Escrito por
Pedro Veronese
Publicado em
4/1/2022
Quem nunca se deparou com a presença de extrassístoles ventriculares (EEVV) ou taquicardia ventricular não sustentada (TVNS) em um teste ergométrico (TE) e pensou: e agora? O que devo fazer?
Dicas:
- Quando essas extrassístoles no teste ergométrico são monomórficas, devemos investigar miocardiopatias (ex. chagásica, isquêmica, hipertensiva, dilatada, hipertrófica, arritmogênica etc.), isquemia devido à doença de artéria coronária (DAC) ou coronária anômala.
- Quando essas arritmias no esforço são polimórficas, além de isquemia, temos que investigar canalopatias (ex. síndrome do QT longo, taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica, extrassístole de acoplamento ultracurto etc.), e distúrbios eletrolíticos que podem ser gatilhos para esses achados.
Posto isso, é importante ressaltar que a maioria dos pacientes que vemos no nosso consultório NÃO se enquadram nos exemplos acimas. Geralmente são pacientes jovens, assintomáticos, sem queixas cardiovasculares, com coração estruturalmente normal, que fizeram um teste ergométrico sem uma indicação precisa e que apresentam EEVV e/ou TVNS no exame. Qual o significado disso?
Um recente trabalho publicado, J Am Coll Cardiol. 2021 Dec, 78 (23) 2267-2277, tentou responder essa questão. Qual o prognóstico das EEVV induzidas pelo esforço em indivíduos assintomáticos? Os pesquisadores investigaram se EEVV de alto grau durante o TE predizem mortalidade nesta população. Foram consideradas EEVV de alto grau quando frequentes (> 10 por minuto), ou multifocal, ou fenômeno R sobre T, ou pareadas/TVNS. Uma coorte com 5.486 indivíduos assintomáticos que participaram de uma pesquisa clínica sobre lípides foi submetida a uma consulta clínica com a realização de TE. Um modelo de sobrevivência ajustado avaliou a associação entre EEVV de alto grau no esforço e mortalidade cardiovascular e por todas as causas.
A média de idade dos indivíduos foi 45,4 ± 10,8, 42% eram mulheres. Durante o follow-up médio de 20,2 ± 3,9 anos, 840 mortes ocorreram, incluindo 311 mortes cardiovasculares. EEVV de alto grau ocorreram durante o esforço em 1,8% dos indivíduos, durante a recuperação em 2,4% e durante ambos em 0,8%. Após ajustes para idade, sexo, diabetes, hipertensão, dislipidemia, tabagismo, IMC e história familiar de DAC precoce, EEVV de alto grau durante a recuperação foram associadas com aumento da mortalidade cardiovascular (HR 1,82; 95% IC: 1,19-2,79; P = 0,006), que permaneceram significantes após novos ajustes para duração do exercício, frequência cardíaca na recuperação, alcance da frequência cardíaca alvo e depressão do segmento ST (HR 1,68; 95% IC: 1,09-2,60; P = 0,020). EEVV de alta densidade que ocorreram durante a fase de exercício não foram associadas com aumento do risco.
A conclusão dos autores foi que EEVV de alto grau durante a recuperação em indivíduos assintomáticos foram associadas com aumento da mortalidade cardiovascular a longo prazo. EEVV ocorrendo apenas no esforço não apresentaram essa associação.
Conclusão cardiopapers
Apesar deste trabalho recentemente publicado, este é um tema que permanece em aberto na literatura, havendo resultados conflitantes. Cito a seguir pelo menos 3 artigos que mostraram associação entre arritmias no esforço e mortalidade global em indivíduos assintomáticos: Circulation 2004;109:2417–2422. Morshedi-Meibodi A. 2.885 pacientes avaliados. Follow-up 15 anos; N Engl J Med. 2000;343:826–833. Xavier Jouven, M.D. 6.106 pacientes avaliados do sexo masculino. Follow-up 15 anos; N Engl J Med. 2003;348:781–790. Joseph P. Frolkis, M.D. 29.244 pacientes avaliados. Follow-up 5,3 anos. Da mesma forma, agora cito 3 artigos negativos para essa associação: J Am Coll Cardiol. 1989;14:1659–1665. Busby MJ, Shefrin EA. 1.160 pacientes avaliados do sexo masculino. Follow-up 5,6 anos; JAMA. 2003;290:1600–1607. Mora S, Redberg RF. 2.994 pacientes avaliados do sexo feminino. Follow-up 20 anos; J Am Coll Cardiol. 2013 August 13; 62(7): 595–600. Joseph E. Marine, MD. 2.099 pacientes avaliados. Follow-up 13,5 anos.